domingo, março 18, 2007

Portugal já tem mais juízas do que juízes


Em Portugal já há mais mulheres do que homens juízes nos tribunais de primeira instância. Elas também já são a maioria na advocacia. E há cada vez mais magistradas a ocupar lugares-chave na direcção da investigação criminal.

Esta tendência do predomínio feminino no sector da justiça tende a aumentar, segundo os dados mais recentes. No ano lectivo de 2005/2006, 80 por cento dos 159 candidatos admitidos ao Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola de formação de magistrados, foram mulheres.

Os números do Observatório da Ciência e do Ensino Superior indicam que também nas faculdades de Direito das três principais cidades do país, Lisboa, Coimbra e Porto, entraram, no último ano lectivo, muito mais alunos do sexo feminino do que do sexo masculino. As diferenças são significativas: 1585 mulheres para 949 homens, em Coimbra; 2052 mulheres para 1318 homens em Lisboa; e 494 mulheres para 224 homens no Porto.

Na Ordem dos Advogados, o número de profissionais inscritos é mais equilibrado mas, mesmo assim, as mulheres predominam. As estatísticas mais recentes referem um total de 21.440 (50,86 por cento) de advogadas contra 20.713 (49,14 por cento) de advogados.

No que diz respeito à magistratura, apesar de as juízas serem em maior número na primeira instância, o mesmo não se observa nos tribunais superiores.

Segundo os números do Conselho Superior da Magistratura (CSM), no Supremo Tribunal de Justiça, há apenas duas mulheres num universo de 71 conselheiros. Nos tribunais da Relação estão colocados 238 homens e 57 mulheres. Só nos tribunais de primeira instância as juízas (864) são mais do que os juízes (636).

As mulheres do procurador

A ascensão das mulheres no âmbito da direcção da investigação criminal também é cada vez mais notória. E consolidou-se com as recentes nomeações do procurador-geral da República, Pinto Monteiro.

Salvo a única excepção da escolha de Gomes Dias para vice-procurador, desde que tomou posse, Pinto Monteiro só chamou mulheres para lugares-chave do Ministério Público. Renovou a comissão de Cândida Almeida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa, nomeou Maria José Morgado para coordenar o processo Apito Dourado e depois para chefiar o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, onde trabalham mais de 70 magistrados, e Francisca van Dunen para procuradora-geral distrital de Lisboa. No Porto, o DIAP é coordenado por outra mulher: Maria Hortênsia Calçada. E foi ainda uma mulher a magistrada escolhida recentemente para fazer a sindicância à Câmara Municipal de Lisboa.

Para o assessorar, no seu trabalho diário, Pinto Monteiro também só escolheu mulheres: uma chefe de gabinete, uma assessora de imprensa, duas secretárias. "Não tem nada a ver com o facto de serem mulheres", diz o procurador, divertido. "Entendi que eram as pessoas certas nos lugares certos pela sua competência."

A simpatia parece ser recíproca relativamente ao procurador-geral. Pinto Monteiro tem reservado, desde há muito anos, um lugar especial junto da Associação das Mulheres Juristas. Já como procurador-geral não faltou ao jantar anual, em que foi calorosamente saudado.

A admiração com que é vista a preponderância crescente das mulheres no sector da justiça acaba por ser um preconceito, na opinião de Cândida Almeida. "Não acho que tenha a ver com especiais características das mulheres ou com alguma sensibilidade feminina, mas com a sua competência para os cargos", considera. "Essas capacidades para dirigir estão a ser aproveitadas", afirma.

No caso da investigação criminal, tem só a ver com o "gosto" por aquela área e pelo empenho com que nela trabalham, bem como com a convicção de que podem "ajudar a melhorar o sistema de justiça", afirma esta procuradora-geral adjunta, a primeira depois do 25 de Abril. Cândida Almeida lembra ainda que foi só depois da revolução de 1974 que foi concedido à mulher o direito para aceder à magistratura.

Esta realidade é igualmente salientada por Hortênsia Calçada, que assume, no Porto, a direcção de 25 procuradores adjuntos, a maioria dos quais mulheres, que lidam precisamente com a criminalidade mais complexa. Primeira mulher magistrada em várias comarcas do país, como Castelo de Vide, Leiria e Almada, Hortênsia Calçada recorda que, para vingar num mundo tradicionalmente masculino, teve de trabalhar muito para se impor. Diz, no entanto, nunca se ter sentido discriminada.

À semelhança de Cândida Almeida, considera que a ascensão das mulheres no sector da justiça não se deve a qualquer particularidade feminina, mas à "aplicação" e à "competência".

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Por Paula Torres de Carvalho, in
PUBLICO.PT

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