Noronha do Nascimento reconhece problemas na administração da Justiça, mas não no patamar em que é tratado na praça pública. O presidente do Supremo defende uma reformulação do mapa judiciário, novo sistema de avaliação de juízes e a sua especialização. (...)
A Justiça tem sido alvo de sucessivos debates, entrevistas, reportagens, enfim, um sem número de notícias que no final ditam quase sempre o mesmo diagnóstico: a Justiça em Portugal funciona mal.
A Justiça tem sido alvo de sucessivos debates, entrevistas, reportagens, enfim, um sem número de notícias que no final ditam quase sempre o mesmo diagnóstico: a Justiça em Portugal funciona mal.
Um dos males mais apontados é justamente a lentidão dos processos, que chegam a prescrever pela morosidade na resolução dos mesmos. E uma das medidas que o Governo de Sócrates decidiu tomar foi a redução das férias judiciais, primeiro pela dita questão moral, depois com a argumentação de acelerar a Justiça. Uma “falsa questão”, considera o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Noronha do Nascimento na entrevista que concedeu ao suplemento JUSTIÇA E CIDADANIA de O PRIMEIRO DE JANEIRO, que vai ser publicada na íntegra na última segunda-feira deste mês, diz que os tribunais funcionariam muito melhor “se se regulasse a concepção de crédito ao consumidor. Aliás, quando se fala no endividamento familiar é isso que se quer dizer. No estrangeiro não se encontra publicidade que quase mete o «produto na boca do cliente» à força. Depois tem de haver uma reforma do mapa judiciário de cima a baixo. Tem de ser realmente muito profunda”.
E quanto aos julgados de paz, o presidente do Supremo é da opinião que “eles deviam ter uma competência complementar da dos tribunais comuns. Por isso digo que deviam ter uma competência exclusiva, depois os conflitos de competência e os recursos, então os conflitos de competência deviam ser decididos de uma forma relativamente administrativizada. Todos os tribunais ou todas as circunscrições deviam ter um juiz presidente escolhido pelo conselho, que fizesse a gestão administrativa e que tentasse obter dentro da sua circunscrição uma relativa uniformidade de decisão e procedimentos em termos processuais porque é fundamental para as próprias partes”. Noronha do Nascimento considera que o grande problema da justiça em Portugal é organizacional, um problema de gestão. O presidente do STJ está mesmo convencido que uma orgânica judiciária bem equilibrada e estruturada implicaria uma diminuição do número de magistrados. E são os magistrados e juízes que, para a sua formação, têm que passar pelo Centro de Estudos Judiciários, antes de poderem exercer. Noronha do Nascimento discorda do sistema de formação, o CEJ “teve e tem uma grande importância mas acho que há coisas que têm de ser alteradas. Repare que o magistrado está no CEJ dois ou três anos, depois é avaliado e passa a juiz estagiário durante mais um ano e depois é colocado pelo conselho. Ou seja, quem faz a avaliação de quem vai para juiz é o CEJ. O conselho só nomeia. Os grandes problemas que têm surgido em relação aos magistrados são no início da carreira, o que quer dizer que o conselho está descalço. Este sistema não pode manter-se. Tem de haver uma dupla avaliação. O CEJ faz a avaliação que entende, mas depois tem de haver um período durante o qual o juiz ainda não é vitalício. Para mim o ideal seria três anos, e ao fim desse tempo em que já está a desempenhar funções pode eventualmente deixar de o ser. Porque hoje um juiz só pode ser demitido na sequência de um processo disciplinar. O que defendo é que haja um tempo, tipo prova, ao fim do qual o conselho possa dizer que não serve. Alguns países já funcionam assim. Na Ucrânia esse tempo é de cinco anos. É que uma pessoa pode sair da faculdade com uma média altíssima e chegar a um tribunal e estar desfasado, não consegue decidir, e o tempo que demora para uma decisão seria o tempo que um outro juiz demoraria para tomar dez”.
Quanto à crítica que se faz, dentro do sector da justiça, em que os processos mais complicados e polémicos não deveriam estar nas mãos de juízes inexperientes, o presidente do STJ recorda: “A nossa lei diz que o juiz sai do CEJ e deve estar em tribunal de ingresso três anos. Ninguém está. Está um ano. Os tribunais de primeiro acesso, grande parte deles estão atrasados porque os juízes vão, chegam em Setembro e em Julho vão embora, e vêm outros. E outro que vem primeiro que entre na comarca, porque é a primeira nomeação, corre o tempo e já está de saída. E processos mais complicados que há nessas comarcas vão ficando, e ficando e ficando. Isto tem a ver com as distorções do sistema. Eu acho que se devia copiar o que se faz em alguns países, cá nunca se pensou nisto: há tribunais de recurso que funcionam simultaneamente como primeira instância. Ou seja, são já desembargadores, ou praticamente a chegarem a desembargadores que estão a julgar o crime em primeira instância em vez de julgarem o recurso do cível. Em Espanha é mais ou menos assim”.
Outra das medidas que aos olhos de Noronha do Nascimento não deveria tardar passa pela especialização dos juízes em função dos tribunais para onde vão. “E se ele quer mudar de tribunal deveria fazer uma nova formação”. Pensamentos, sugestões, concelhos, opinião do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para ler na íntegra no JUSTIÇA E CIDADANIA, no próximo dia 30.
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