sábado, março 03, 2007

Corrupção e burocracia


Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

(in Diário de Notícias)

"Na semana passada, o Parlamento debateu 14 projectos, dos vários partidos, para combater a corrupção.

Esta abundância legislativa resultou, como é sabido, do esforço pioneiro de João Cravinho (agora em Londres) para colocar a corrupção na agenda política.

As propostas de Cravinho não entusiasmaram o próprio grupo parlamentar socialista. Depois, um tanto a contragosto, o PS lá aproveitou uma ou outra ideia do seu ex-deputado. Os outros partidos também aí foram beber inspiração, alguns porventura por mero oportunismo.

Só que a sala da Assembleia da República contava escassos deputados quando se discutiu o combate à corrupção. "As bancadas estiveram desertas", escrevia o DN de sábado passado, confirmando aquilo que milhões de portugueses tinham visto na televisão.

Manifestamente, o tema da corrupção é incómodo para os nossos políticos, que só para evitarem maior escândalo o abordam. Percebe-se porquê: o financiamento dos partidos ficaria em causa se a corrupção fosse atacada a sério. Assim como a prosperidade de muita gente que anda na política para se governar e não para governar a colectividade.

Mas será Portugal um país corrupto? O último ranking da Transparency International (uma organização privada que se dedica a lutar contra a corrupção no mundo) coloca-nos em 26.º lugar entre 163 países.

Pior do que nós, na actual União Europeia, aparecem a Eslovénia, Chipre, Hungria, Itália, República Checa, Lituânia, Letónia, Grécia, Bulgária, Polónia e Roménia, por esta ordem.

Ou seja, na Europa estamos mais ou menos a meio da tabela. Naquele ranking, relativo a 2006, nos dez países menos corruptos do mundo surgem os nórdicos, mas também Singapura, a Suíça e a Austrália. Nos piores lugares figuram países subdesenvolvidos. Angola, por exemplo, situa-se no 142.º lugar.

Se a nossa situação em matéria de corrupção não é calamitosa, nem por isso deixa de preocupar.

Todos sentimos que as coisas têm vindo a piorar, com a degradação da autoridade do Estado e com o mau funcionamento da justiça. É significativo que hoje se considerem naturais, embora lamentáveis, jogadas que, há uns anos, mereciam forte censura social. Perdeu-se a vergonha.

O problema não diz respeito apenas ao Estado. Não é só na ocupação de cargos públicos, a nível político e administrativo, que a corrupção encontra terreno favorável. Qualquer posição de poder - político, económico, social, intelectual, desportivo, etc. - é susceptível de aproveitamento em benefício próprio e não da instituição. Mesmo sem falar no futebol, pense-se nas comissões e outras benesses que um gestor corrupto pode obter nas compras de uma empresa privada, por exemplo.

Também é verdade que a cultura dos países do Sul da Europa, como Portugal, é mais permissiva face a fenómenos de corrupção do que a cultura do Norte. Mas tal não deve implicar um imobilismo resignado por parte de quem tem responsabilidades sociais e políticas.

Não estou a propor a célebre "mudança de mentalidades", chavão habitual quando não se sabe o que dizer. Nem acredito em engenharias sociais para mudar a nossa cultura. Há outros meios.

Afinal, os últimos anos mostraram que, com vontade política e inteligência, a fuga aos impostos pode ser travada. Outro exemplo, numa área bem diferente: há poucas décadas era perigosíssimo em Portugal um peão atravessar numa "zebra", pois os carros não paravam. Hoje já não tanto é assim - as coisas mudam.

Melhores leis contribuirão para um combate mais eficaz à corrupção. Mas não é de apostar muito nisso. Em Portugal as leis não costumam ser cumpridas e a justiça é o que sabemos.

Mais do que da repressão, importa cuidar da prevenção. Ora a maior fonte de corrupção no Estado português está no excesso de burocracia. Esta resiste às tentativas para a reduzir porque há quem pessoalmente lucre com os mil e um obstáculos burocráticos, dando um "jeito", um "empurrão", para os ultrapassar.

O Governo tem mostrado algum empenho no combate à burocracia. Mas a prova real não está no Simplex e programas congéneres. Está na redução da burocracia através da reforma da administração pública. E na maior transparência e menor discricionariedade dos poderes públicos. Ora, por enquanto, apenas se viram aí boas intenções e promessas.

Os socialistas deviam perceber que um Estado forte, de que Portugal tanto precisa, será necessariamente um Estado menos gordo e, por isso, menos corrupto."

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