terça-feira, julho 10, 2007

Juizes espiados vão pedir intervenção do Governo

Mais de 200 magistrados europeus - juízes e Ministério Público (MP) - foram espionados pelo Serviço Secreto Militar da Itália (SISMI) entre 2001 e 2006, anos em que o governo transalpino foi chefiado por Silvio Berlusconi, líder do partido de direita Forza Italia. Entre os visados encontram-se vários portugueses, nomeadamente António Cluny, Mouraz Lopes, Orlando Afonso e António Martins.

Este caso, comunicado aos magistrados dia 7, vai ser analisado hoje pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). A entidade, presidida por António Cluny, deverá solicitar ao ministro da Justiça que, em nome do governo português, peça explicações às autoridades italianas. O sindicato, entre outras coisas, quer saber o que fez a secreta italiana com as informações recolhidas, e se as partilhou com outros serviços secretos europeus, nomeadamente com o Serviço de Informações de Segurança (SIS) português. Ao que o DN apurou, a partilha de informações entre serviços secretos é prática corrente.

A mesma questão vai ser levantada amanhã pela Medel, (Magistrados Europeus pela Democracia e Liberdades), uma Organização Não Governamental (ONG) que reúne juízes e magistrados do Ministério Público de toda a Europa. Desta entidade, reconhecida pelo Conselho da Europa, faz parte o SMMP, sendo António Cluny um dos seus vice-presidentes, assim como a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), presidida por António Martins, mas representada ali por Mouraz Lopes, que dirigiu o combate ao crime económico-financeiro na Polícia Judiciária (PJ). A Medel, recorde-se, era presidida pelo juiz português Orlando Afonso quando Silvio Berlusconi subiu ao poder.

Correspondência violada

Entre os cerca 200 magistrados "devassados" pela secreta italiana, além dos portugueses, encontram-se 47 italianos, nomeadamente o ex-presidente da Associação Nacional de Magistrados de Itália, Bruti Liberati, e vários espanhóis, incluindo o conhecido juiz Baltazar Garzòn.

A denúncia foi feita dia 7 pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) de Itália, entidade que dirigiu as investigações ao Sismi. Numa das buscas a um escritório clandestino da secreta, o CSM encontrou vários dossiers, um deles relacionado com a observação de juízes "definidos como portadores de pensamentos e estratégias desestabilizadores e próximos de partidos de esquerda". Neste dossier constavam alguns nomes conhecidos, como o ex-chefe do MP de Milão Francesco Saverio Norrelii, ou a procuradora Ilda Bocassi, conhecida por ter conduzido as investigações contra Silvio Berlusconi. "A intenção era atingir a credibilidade de quem (referindo-se aos juízes) trabalhava em processos particularmente delicados", explica o CSM italiano no relatório a que o DN teve acesso.

Um outro dossier envolvia a Medel. O método do passava por vasculhar a correspondência electrónica dos magistrados que constam na lista da associação e, pontualmente, por escutas telefónicas e perseguições.

Segundo o CSM, a secreta estava preocupada sobretudo com os magistrados italianos que, sendo membros da Medel, integravam o movimento Magistratura Democrática, uma facção no interior da Associação Nacional dos Magistrados. A secreta conotava aqueles magistrados com movimentos de "centro-esquerda", hostis ao governo de direita, temendo que pudessem armar uma conspiração de âmbito europeu contra o governo italiano.

Mas as preocupações maiores, segundo o CSM, eram os magistrados que, pertencendo à Medel, trabalhavam para o OLAF - organismo europeu anti-fraude que fiscaliza a aplicação dos dinheiros comunitários nos estados membros. É o caso de Bruti Liberati, ex-presidente da Medel e da Associação Nacional de Magistrados, que integrava a comissão de supervisão do OLAF. É também o caso de Alessandro Perdura, um operacional do OLAF, igualmente membro da Medel. Os magistrados portugueses foram apanhados pelo SISMI no meio destas investigações.

Por Licínio Lima, in
DN Online.

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