sexta-feira, julho 27, 2007

Gomes Canotilho: Simplex viola princípios constitucionais

O constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho elaborou um parecer arrasador para a política de simplificação administrativa do Governo, através dos vários programas em que se desdobra o Simplex. No entender deste constitucionalista, medidas como a «Empresa na Hora» ou o «Casa Pronta» são verdadeiros atentados aos notários, de contornos inconstitucionais, que legitimam uma reacção forte da classe.

Segundo avança a edição desta sexta-feira do jornal Público, o parecer elaborado por Gomes Canotilho foi pedido pela Ordem dos Notários e vem ao encontro das suas preocupações, com o constitucionalista a defender que se está a assistir a uma «inversão da reforma», senão mesmo uma contra-reforma, que viola os princípios da confiança, da igualdade e da concorrência.

Para Gomes Canotilho, trata-se de uma espécie de renacionalização, em que são esvaziadas, em pequenos passos (a que chama a «táctica do salame»), as funções notariais. Isto depois de a esmagadora maioria dos notários ter feito grandes investimentos em imóveis, equipamento e pessoal, na legítima expectativa de manter o nível de rendimentos.

«Com a privatização do notariado, entreabriu-se a porta da deslocação dos serviços públicos tradicionais para o sector privado. Posteriormente, a reorganização destes mesmos serviços revela uma filosofia diametralmente contrária», considera o constitucionalista.

«Os vários actos concretizadores - Casa Pronta, Empresa na Hora, Divórcio na Hora, Partilha na Hora - são elementos constitutivos da reorganização do monopólio estatal sucessivo», sublinha.

Programas mediáticos como os citados devolvem, no entender de Gomes Canotilho, ao sector público, através de balcões próprios ou das conservatórias, a capacidade para proceder a actos (ou eliminando-os totalmente) antes reservados aos notários, excluindo a participação destes. Com uma agravante: os preços fixados são mais baixos do que as tabelas de emolumentos notariais, também elas fixadas pelo Governo, a que acrescem privilégios fiscais, vantagens contratuais de acessos à rede de serviços e dumping de preços.

«Nestes casos, o Estado tende a aniquilar a concorrência que ele próprio legitimou», considera, salientando que «a violação da liberdade de profissão não reside no facto de existirem “lojas do cidadão” públicas ao lado de cartórios notariais privados».

«A ingerência através da concorrência reside, sim, no facto de os serviços públicos criados implicarem preços mais baixos do que os praticados pelos notários privados para o mesmo serviço, desde logo porque [...] é o Estado que fixa os preços mais altos que os notários privados podem praticar.».

Com esta «argúcia organizativa», considera o constitucionalista que se viola ainda o princípio constitucional da igualdade, na medida em que se exigem ao notariado qualificações particulares (licenciatura em Direito e aprovação em concurso) que depois são negligenciadas nos balcões públicos, onde os actos podem ser praticados por funcionários.

in
Diário Digital.

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