quarta-feira, julho 05, 2006

Exames sexuais aceites na Relação podem ser inconstitucionais


A decisão do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de serem aceites como prova incriminatória exames ginecológicos efectuados, por pedido da Polícia Judiciária, a três mulheres "surpreendidas" nas imediações de um consultório médico onde alegadamente se efectuavam abortos ilegais poderá estar ferida de insconstitucionalidade.

Nesse sentido vai a opinião do jurista Rui Pereira, coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, que, embora se escuse a comentar a decisão citada, assume haver perícias médico-legais que "podem pôr de tal forma em causa o direito à intimidade do visado que não deveriam ser feitas coercivamente, mesmo com ordem de juiz". Muito menos, depreende-se, quando essa ordem não existe - o que será o caso no processo de Aveiro, já que a fundamentação da inadmissibilidade da prova, requerida pelos advogados de defesa e acolhida na absolvição exarada pela primeira instância, fora o facto de a mesma não ter sido solicitada nem presenciada pelo Ministério Público (MP).

Direitos fundamentais em causa

A inconstitucionalidade da decisão advirá da contradição com o artigo 32.º da Constituição - que, explica o jurista, "no seu número quatro estabelece que a instrução é da competência de um juiz, que pode delegar quaisquer actos excepto os que ponham em causa direitos fundamentais" - e será favorecida pela existência daquilo que Rui Pereira vê como "um certo vazio legal".

Em causa está a "não distinção das perícias em geral daquelas que podem pôr em causa a reserva da vida privada". É que, explica, "o Código de Processo Penal não diz, e devia dizer expressamente, que esse segundo tipo de perícias, que se prende com direitos fundamentais, só pode ser efectuado com autorização de um juiz". À imagem do que se estabelece, no CPP, para escutas telefónicas e buscas domiciliárias.

Mas Rui Pereira vai mais longe, frisando que, dado o carácter intrusivo de certo tipo de perícias, o juiz deveria, ao decidir sobre a sua realização, efectuar " uma ponderação entre as necessidadade da investigação, a gravidade do crime e a prevenção de futuros crimes, por um lado, e os ditos direitos". E exemplifica: "Um toque rectal não é bem a mesma coisa que cortar uns cabelos."

Certo é que a actual formulação do Código de Processo Penal especifica que "nenhuma pessoa se pode recusar a submeter aos exames periciais" que sejam determinados elas autoridades judiciais - o que , no entender do director da delegação de Lisboa do Instituto Nacional de Medicina Legal, Jorge Costa Santos, inclui a Polícia Judiciária. "Nós não podemos fazer o exame sem que haja uma requisição de uma entidade competente, que pode ser a PJ, que tem competência delegada do Ministério Público para requisitar o exame com carácter de urgência."

Exames não provam crime

Mas Jorge Costa Santos recorda alguns casos em que "as pessoas de facto se recusaram", embora não saiba qual foi a consequência. "É uma questão delicada, há quem defenda que certos exames são uma devassa da privacidade e uma ofensa à integridade física. Não há dúvida de que representam uma intrusão na esfera íntima da pessoa. E que a lei não esclarece o que sucede se alguém os recusar."

Sobre os exames que terão sido efectuados nas mulheres suspeitas de aborto, este perito médico-legal adianta que, tratando-se de um aborto mecânico, ou curetagem, "há marcas durante uns dias". Mas ressalva: "Uma curetagem não é necessariamente abortiva." Seria necessário, também, efectuar análises, "porque uma mulher grávida mantém a alteração hormonal por algum tempo." A conjugação das duas perícias poderá apontar para a prática de um aborto - mas não o prova em definitivo.

Resta a questão de quem está habilitado para efectuar as perícias médico-legais - de acordo com o CPP, serão os peritos de medicina legal ou, na impossibilidade de recorrer a estes, qualquer médico. No âmbito do processo em causa, há um exame efectuado na urgência do Hospital de Aveiro cujos resultados foram comunicados à polícia. Uma actuação no mínimo discutível do ponto de vista da ética médica e que valeu já a outros profissionais de saúde, em casos semelhantes, procedimentos disciplinares por parte das respectivas ordens.

Por Fernanda Câncio, in Diário de Notícias

1 comentário:

Anónimo disse...

A verdade é k Rui Pereira apenas traçou o caminho para o resultado encontrado a priori.
Não tivesse ele uma dama a defender k se chama PS