Encontra-se em distribuição do nº 42 do B.O.A. Este número é inteiramente dedicado à temática da PROCURADORIA ILÍCITA.
Editorial:
"Enganos
Quem, alguns anos atrás, passasse à porta do Arquivo de Identificação, junto à Polícia Judiciária, em Lisboa, encontrava uma série de prestáveis cidadãos, geralmente munidos de um bloco e de uma esferográfica, que abordavam os passantes, oferecendo-lhes ajuda para o preenchimento dos impressos necessários para a obtenção do Bilhete de Identidade, a troco de uma pequena remuneração.
Embora já naquela altura tal tarefa não fosse especialmente transcendente, a proliferação daqueles solícitos ‘consultores’ indiciava que o negócio não devia ser de todo desinteressante.
Daqui não viria grande mal ao mundo, e apenas nos lembrámos destas figuras para sublinhar que entre elas e as mediadoras imobiliárias que anunciam que ‘tratam de tudo’ – desde o contrato-promessa à escritura, passando pelo empréstimo e pelos registos, provisórios e definitivos, ou os contabilistas que fazem sociedades, actas de assembleias gerais e aumentos de capital, ou o cobrador mais ou menos bem vestido, a diferença estará apenas no volume de negócio e em alguns métodos de actuação, já que as causas de todos estes fenómenos são as mesmas: os enormes défices de educação e a iliteracia de que o país padece, fazem com que, para a grande maioria das pessoas, qualquer contacto com o Estado (omnipresente tanto na actividade económica como no dia-a-dia dos cidadãos e das empresas), com uma administração pública rotinada em fórmulas burocráticas tantas vezes sem sentido, ou com uma justiça pesada, lenta e ineficaz, constitua um desafio de proporções homéricas.
Pena é que – embora pelas mesmas razões culturais e educacionais – essas pessoas não tenham ainda compreendido que o Advogado é o profissional que tem a função, por excelência, de ajudá-las a ‘enfrentar’ esse desafio, prevenindo problemas e antecipando soluções, e, quando não foi possível prevenir nem evitar, lutando em todas as instâncias disponíveis pela reposição dos seus direitos.
A afirmação da importância da Advocacia Preventiva e o combate contra a Procuradoria ilícita são complementares, mas o êxito destas batalhas depende essencialmente de factores culturais. Por isso, foi, em primeiro lugar, no apelo à alteração de hábitos e à tomada de consciência dos riscos envolvidos em muitos actos do quotidiano dos cidadãos e das empresas que a Ordem decidiu apostar, intensificando as actuações contra a Procuradoria Ilícita e lançando, a partir de Outubro, uma Campanha pela Advocacia Preventiva.
Uma nota final, a respeito da intenção do Governo de alterar o Código de Procedimento e Processo Tributário visando o levantamento do sigilo bancário, de forma automática e sem necessidade de autorização judicial, em caso de apresentação de reclamação graciosa. Mais uma vez, o governo, desta feita sob o pretexto da “averiguação plena dos factos alegados pelo contribuinte” pretende suprir as incapacidades dos serviços para fazerem uma investigação decente e capaz, com a diminuição de garantias, à boleia do populismo habitual em matéria de combate à evasão fiscal. Mas desta vez a consequência vai ser bem mais perversa. O levantamento automático do sigilo bancário, ou muito nos enganamos, ou vai, pura e simplesmente, acabar com a reclamação graciosa, deixando os mais pobres entregues nas mãos do Fisco e sujeitos aos seus (inúmeros) lapsos. Os mais ricos, esses, resolvem o problema passando directamente à impugnação.
> Miguel de Almeida Motta > Advogado > Vogal do Conselho Geral"
Fonte: Ordem dos Advogados
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