sexta-feira, julho 21, 2006

Indemnizações aos inquilinos superiores ao valor do imóvel


A lei contém aspectos de grande litigiosidade que vão provocar uma corrida anormal aos tribunais. O facto de tudo poder ser usado como fundamento para o despejo é um deles. O mais polémico são as indemnizações que os senhorios terão de pagar, aspecto introduzido já na Comissão da Especialidade da AR.

Os senhorios que avançarem com o pedido para actualização das rendas ao abrigo da nova legislação do arrendamento (NRAU), estão completamente dependentes da vontade e disposição dos arrendatários e podem ser obrigados a pagar indemnizações “milionárias” para reaver as suas casas. É que a nova lei permite aos arrendatários habitacionais a possibilidade de cessarem os contratos mas pedirem uma indemnização pelas “obras licitamente feitas”, sem definir o seu conceito ou âmbito, o que permite que um arrendatário possa apresentar uma factura de obras num montante superior ao próprio valor do imóvel.

Luís Filipe Carvalho, especialista que representou a Ordem dos Advogados na comissão de acompanhamento da nova lei, explicou ao “Semanário Económico” que a possibilidade de os arrendatários exigirem uma indemnização desde que pretendam cessar o contrato vai contra uma “norma legal assente na lei, por imperativo da lei, afastando aquilo que era vontade das partes”. Ou seja “o que estava escrito nesses contratos de arrendamento antigos, em que todos eles, praticamente, diziam a mesma coisa: obras ou benfeitorias realizadas no local pelo arrendatário não dão lugar a qualquer indemnização ou compensação, nem permitem ao arrendatário exercer o direito de retenção”. Mesmo quando o contrato celebrado entre as partes diga o contrário, que o arrendatário não tinha direito a essa indemnização.

Inexplicável e polémico é o facto de este aspecto ter sido introduzido à última da hora pela Comissão de Especialidade da Assembleia da República. Ou seja, não foi uma posição concertada das partes e de quem esteve na elaboração do projecto do Governo. “Esta foi uma questão amplamente discutida nos trabalhos com o Governo e fomos sempre de opinião que não devia ser consagrada uma situação destas, precisamente para evitar o recurso aos tribunais”, adverte Luís Filipe Carvalho. Mas foi metida à última da hora pela Comissão de Especialidade da AR.

Tudo pode fundamentar o despejo

A nova lei, conhecida já por lei 6 de 2006, traz uma solução legal totalmente diferente e nova em relação aos fundamentos para despejo. “Tudo é possível ser fundamento para o despejo, desde que pela sua gravidade e consequências coloque em causa a manutenção do arrendamento”, explica o jurista. A solução legal é completamente inovadora e vai trazer algumas dificuldades no aconselhamento aos clientes, naquilo que podem ser novos fundamentos para invocar o despejo. Essas primeiras dificuldades vão ser para os advogados que são os intérpretes da lei.

Num segundo momento “as dificuldade vão reflectir-se nos tribunais de primeira instância, que vão trabalhar sobre estes novos conceitos, até podermos ter em Portugal uma jurisprudência dos tribunais superiores”, adianta Filipe Carvalho. Os novos fundamentos vão ser rechaçados pelos tribunais e muitos indeferidos.

Senhorios são obrigados a recorrer a tribunal
Pedir uma indemnização de 500 mil numa casa que vale 300 mil

Imagine-se que a substituição dos canos da cozinha nos últimos 30 anos foi feita por três vezes. O arrendatário pode reclamar o custo que teve nessas três vezes na substituição dos mesmos. Ou seja, admitindo, como exemplo, uma casa que tenha um valor de mercado de 300 mil euros, o arrendatário a título de obras pode pedir uma indemnização de 500 mil euros, depois de alegar que substituiu o soalho, cinco vezes, os canos outras tantas vezes, pintou paredes, fez mais umas obras. Esta situação deve-se ao facto de não se saber o que são obras licitamente feitas; se são obras que foram ou não autorizadas pelo senhorio; se são obras que não careciam ou foram licenciadas pela câmara municipal. E nem estão limitadas no tempo.

Inquilinos podem reter renda e obrigar senhorios a ir a tribunal
O processo de pedido de indemnização por parte dos inquilinos, desde que decidam cessar o contrato, tem características peculiares.

É que se os senhorios considerarem que o pedido de indemnização ou compensação não tem fundamento, terão de recorrer para o tribunal. Um cenário que permite aos arrendatários exercer o direito de retenção da renda. Ou seja, num caso hipotético, o senhorio recusa a indemnização e o arrendatário diz-lhe: - “então enquanto isto não ficar resolvido eu fico cá em casa e não pago a renda, porque nos meses seguintes vou compensar o valor da renda com o que o senhor me deve”. A nova lei permite esta situação que vai contra o que estava escrito nos contratos antigos e acordado entre as partes. Ou seja, por iniciativa do legislador e por imposição legal .

Por Elisabete Soares, in Semanário Económico

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