quinta-feira, julho 27, 2006

Tribunais a meio-gás com 40% dos juízes de férias


Subiu as escadarias do tribunal apressado e parou no patamar à procura da secretaria da 8.ª Vara. Tinha de entregar umas alegações ali, nas varas criminais de Lisboa, mais conhecidas por Tribunal da Boa Hora, e atravessar a cidade para depositar mais três requerimentos no Palácio da Justiça. "Este ano, ando nesta correria, há sempre prazos a acabar e requerimentos para entregar", disse-nos Rui Silva, 34 anos, funcionário de um advogado de Lisboa - "O advogado para quem trabalho está de férias." O causídico foi a banhos mas os prazos processuais não. Estes continuam a correr - porque o ministro da Justiça reduziu as férias judiciais ao mês de Agosto - mas muitos dos funcionários e juízes já estão a descansar na segunda quinzena de Julho. Os tribunais, um pouco por todo o País, estão a meio-gás.

Talvez por isso, ou por isso mesmo, a sorte estava ao lado de Rui Silva. Bastou um minuto para que resolvesse o seu assunto. O "tráfego" era inexistente. As salas de audiências estavam fechadas. Raramente se via vivalma no Tribunal da Boa Hora naquela tarde de segunda-feira. E as pouquíssimas pessoas que lá entravam eram advogados, ainda a braços com os prazos dos processos. Assunto tratado e Rui Silva desceu, apressado, as escadarias.

O silêncio voltou ao átrio do tribunal. A quietude regressou aos corredores da Boa Hora, às exíguas secretarias, onde um ou dois funcionários tentavam afastar o calor com ventoinhas. Muito de vez em quando, lá passava um funcionário, carregando caixotes com processos. De resto, o silêncio... só interrompido pelo toque longínquo de um telefone.

E este é um cenário que se vive um pouco por todo o País. "Nos tribunais do Algarve, as secretarias estão a trabalhar a meio-gás, não é possível em algumas comarcas formar os tribunais colectivos e há adiamentos de diligências", conta ao DN o magistrado Jorge Langweg.

Em Bragança, por exemplo, dos quatro juízes, três estão de férias. Desde o dia 15 que não há marcação de diligências porque faltam magistrados e funcionários. O movimento no tribunal é praticamente nulo. Para Luís Barros, delegado sindical, a redução das férias "não veio acelerar o ritmo de trabalho".

"É uma aberração"

"Os juízes começaram a ir de férias a 4 ou 5 de Julho, mas a grande vaga foi a partir do dia 17. Cerca de 40 por cento dos juízes estão de férias e a outra metade não consegue despachar os seus próprios processos porque tem a cargo os processos dos outros", diz ao DN Edgar Lopes, porta-voz do Conselho Superior da Magistratura. Atirando: "O período de 15 a 31 de Julho é uma aberração."

Porque fazem turnos no mês de Agosto, as férias dos juízes tiveram de entrar pelos meses de Julho e Setembro (quando agora correm prazos processuais) de forma a que estes pudessem gozar os 22 dias de descanso seguidos. "É a desorganização total. Esta foi a pior medida tomada pelo Governo", reagiu ao DN Eduardo Pereira de Sousa, líder dos Jovens Advogados.

Se é verdade que agora existem diligências na última quinzena de Julho, também é verdade que o seu número é muito menor ao que se verificou nos primeiros quinze dias deste mês (...). Em 53 tribunais, segundo o programa Habilus do Ministério da Justiça, não existe mesmo qualquer diligência marcada para a segunda quinzena de Julho. E em 32 tribunais apenas uma diligência estava agendada. A redução do número de actos na maioria dos tribunais, quando se compara a segunda quinzena com a primeira, é na ordem dos 70 ou 80 por cento. Mas, ao contrário do que dizem os críticos desta medida, a grande maioria das diligências que estavam marcadas foram realizadas... e não adiadas.

A 'angústia' dos advogados

De novo na Boa Hora. Ouvem-se passos na escadaria. Apressados.

Lídia Perdigão, 23 anos, avisa, um pouco envergonhada, que é ainda estagiária. Que pode não ser capaz de explicar muito bem o impacto que a redução das férias está a ter no funcionamento dos tribunais e na agenda dos advogados. Mas desenrasca-se bem. "A redução das férias veio prolongar a nossa angústia, a que temos o resto do ano com os prazos. Mas quem acaba por sofrer mais são os advogados em prática isolada, porque os que estão numa sociedade conseguem dividir o trabalho." E continua: "Este novo regime diminui também a oportunidade de os juízes preparem os processos, por isso acho que esta medida não traz grandes vantagens." Lídia não é a única a criticar aquela que foi a maior bandeira do Ministério da Justiça, que indignou os operadores judiciários, levando mesmo os juízes a partirem para uma iniciativa muito rara: a greve.

"Não é o facto de se ter cortado nas férias que vai acelerar os processos", reagiu ao DN Luís Filipe Carvalho, membro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados. "Este regime só veio complicar a vida aos advogados, sobretudo os da prática isolada, que agora têm um só mês [Agosto] para fazer três coisas: gozar férias, responder aos prazos judiciais que terminam a 1 de Setembro e preparar acções que exigem maior ponderação" - "O cidadão nada beneficia com isto."

Seguimos, tal como o Rui, para o Palácio da Justiça, onde estão as varas cíveis. Mais uma vez encontramos um ambiente a fazer lembrar as férias. A trabalhar, sim, mas quase parados.

Por Inês David Bastos, com Sandra Bento, in DN Online

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