segunda-feira, outubro 09, 2006
O primeiro procurador forçado a prestar contas
Fernando Pinto Monteiro, 64 anos, toma hoje posse como procurador-geral da República (PGR). E há um facto novo que condicionará decisivamente todo o seu mandato (de seis anos) e até, eventualmente, a sua recondução: será o primeiro PGR forçado a apresentar contas do seu trabalho ao poder político. Sê-lo-á numa base bienal e perante a Assembleia da República.
A obrigação decorre da nova lei-quadro da política criminal, aprovada já nesta legislatura. Ela impõe que o Parlamento aprove uma resolução, proposta pelo Governo, determinando as prioridades na investigação criminal. Dois anos depois da resolução aprovada, caberá ao procurador-geral da República apresentar - no Parlamento - um relatório sobre a sua execução, as dificuldades encontradas e o modo de as superar.
Os próprios deputados poderão fazer recomendações ao Governo sobre o caminho a seguir. O Executivo terá também, obrigatória e previamente, de ouvir os conselhos superiores (Magistratura, Ministério Público, dos Órgãos de Polícia Criminal, de Segurança Interna), bem como a Ordem dos Advogados.
Trata-se, quanto ao procurador--geral, de algo que indesmentivelmente lhe retirará margem para gerir de forma inteiramente autónoma - como acontecia até agora - o que deve ser prioritário na investigação e o que não deve. Do ponto de vista doutrinário, o princípio tem um nome: "princípio da oportunidade". Em síntese, o princípio segundo o qual a investigação se deve focar nos tipos de crimes que o poder político considera mais relevantes e não necessariamente nos que, por assim dizer, chegam primeiro ("princípio da legalidade", que obriga a investigação a tratar todos os crimes por igual).
O calendário já estipulado determina que em Abril de 2007 o Governo apresentará na Assembleia da República a sua primeira resolução com as prioridades da política criminal. O que considerará o Executivo prioritário é agora a pergunta que se impõe.
A dúvida, porém, é quase formal. No discurso do 5 de Outubro, o Presidente da República - que é quem nomeia o PGR - não podia ter sido mais claro. Duas frases do Presidente nessa intervenção bastariam para que nenhuma dúvida existisse sobre qual deve ser, no seu entender, a prioridade de investigação criminal. Por um lado, afirmou que "para que as instâncias de controlo persigam os prevaricadores de uma forma célere e eficaz é necessário que o combate à corrupção seja assumido como um esforço a que todos são chamados". Por outro, denunciou que "existem sinais que nos obrigam a reflectir seriamente sobre se o combate a esse fenómeno [a corrupção] tem sido travado de forma eficaz e satisfatória".
Por outras palavras: Cavaco Silva acha insuficiente o que tem sido feito no combate à corrupção. Exige mais. Reagindo a este discurso por fontes oficiosas o Executivo disse que a intervenção de Cavaco lhe "abria espaço" para tornar o combate à corrupção na prioridade das prioridades da investigação criminal - através da tal resolução que terá de apresentar no Parlamento.
Será assim. Mas até ao Pacto sobre a Justiça assinado com o PSD não foi. O acordo sobrevoou completamente o combate à corrupção e só depois de a denúncia dessa ausência ser feita é que se apressou a fazer sair a notícia de que estava a preparar lei na matéria - ou, mais precisamente, na questão da corrupção desportiva, agora na primeira linha da actualidade por via do "Apito Dourado". E também foi só depois dessa denúncia que o PS resolveu finalmente levar a sério o pacote anticorrupção que o deputado (e ex-ministro das Obras Públicas) João Cravinho tinha apresentado, mas que não conseguia agendar. O discurso anticorrupção pegou de estaca. Pinto Monteiro, esse, será o primeiro PGR a ter uma agenda de investigação assumidamente imposta pelo poder político.
Por João Pedro Henriques, in DN Online
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