É uma realidade escondida e tolerada. A violência contra as crianças tem milhões de rostos em todo o Mundo, mas só chega às notícias quando atinge proporções extremas. Quem a pratica é geralmente a pessoa que devia cuidar. Por essa razão, a Organização das Nações Unidas defende, num relatório internacional, a proibição de todas as formas de violência contra menores. Onde quer que aconteça. Independentemente de quem a pratica. Porque violência gera violência. E as vítimas de hoje são os agressores de amanhã. Portugal prepara-se para criminalizar os castigos corporais.
Violência pode ser maus-tratos físicos ou psicológicos, atitudes de discriminação, exploração ou de negligência. O Estudo do Secretário-Geral das Nações sobre a Violência contra as Crianças - divulgado ontem em Nova Iorque (EUA) - recomenda que todas as formas de violência sejam proibidas e punidas.
"Todas as pessoas têm um papel a desempenhar nessa causa, mas cabe ao Estado assumir a principal responsabilidade. Isto significa proibir todas as formas de violência contra as crianças", sublinha o perito independente brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, responsável pelo relatório por nomeação do secretário-geral da ONU.
Em Portugal, o anteprojecto de revisão do Código Penal, já aprovado pelo Governo, criminaliza qualquer castigo corporal, seja aplicado pelos pais ou pelas instituições de acolhimento. Ou seja, uma bofetada pode dar cadeia.
Legislação dúbia
A actual legislação "é dúbia", já que não proíbe explicitamente os castigos corporais aplicados no seio da família. O objectivo desta revisão legislativa é promover uma "parentalidade positiva", explicou ao JN a secretária de Estado adjunta e da Reabilitação. Idália Moniz está convicta da aplicabilidade desta lei, embora outros países, como Espanha, ainda não tenham aprovado legislação tão avançada na protecção dos direitos das crianças.
Outra das recomendações deste estudo é a criação de um provedor para os direitos da criança, uma ideia que também já foi defendida pelo Conselho da Europa e que ainda não teve aplicação em Portugal. A secretária de Estado admite que é "uma questão que pode ser reaquacionada".
A aceitação social dos crimes contra crianças está bem patente na legislação da maioria dos países. Em 145 nações, os castigos corporais são permitidos em instituições de acolhimento. Portugal ainda não os proíbe expressamente, embora puna as ofensas à integridade física e maus-tratos. E no seio familiar esse tipo de correctivo só é expressamente proibido em 16 países. Portugal poderá figurar, em breve, nessa lista.
Violência global
Os números revelam um problema de proporções pandémicas 275 milhões de crianças são anualmente testemunhas de violência doméstica, 218 milhões de crianças trabalhavam em 2004 (mais de metade em tarefas perigosas), quase dois milhões estavam envolvidas na prostituição e pornografia, 1.2 milhões foram vítimas de tráfico e 53 milhões foram assassinadas só no ano de 2002.
As estatísticas revelam, ainda, que o risco de violência física é maior contra os rapazes, mas o perigo de abusos sexuais, prostituição forçada e negligência é superior nas meninas. Nalguns países abrangidos por este estudo, duas em dez raparigas com menos de 15 anos foram vítimas de crimes sexuais.
Dados da Organização Mundial de Saúde, cruzados neste relatório com outras fontes, revelam que a vulnerabilidade não está indexada apenas ao sexo. A probabilidade de morte por homicídio é duas vezes maior nas crianças pobres e as portadores de deficiência também sofrem mais maus-tratos do que as saudáveis.
Nem sempre a violência é evidente, tanto na forma como no contexto em que é praticada. Pode ter formas subtis como a intimidação (bullying) e surgir na escola, como a que é exercida por professores e pessoal auxiliar de forma física ou verbal. De acordo com o relatório das Nações Unidas, esta prática está frequentemente associada à discriminação de alunos pertencentes a famílias pobres ou grupos marginalizados.
in Jornal de Notícias
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