segunda-feira, outubro 09, 2006

Pinto Monteiro diz-se "avisado" dos perigos e das "armadilhas" que o esperam


Tencionava ir sozinho e de táxi. Mas Souto Moura insistiu em pôr-lhe um carro à disposição. É, portanto, já num automóvel oficial, conduzido pelo mesmo motorista do ex-procurador-geral Cunha Rodrigues, mas ainda sem equipa formada nem homens da sua confiança pessoal a acompanhá-lo, que Fernando Pinto Monteiro vai entrar, hoje, no Palácio de Belém, em Lisboa, para tomar posse.

À sua espera, em frente da Presidência, estará um grupo de cidadãos da aldeia onde nasceu, Porto de Ovelha, perto da Guarda, empunhando cartazes a manifestar-lhe apoio. A "comandar" vai um coronel na reserva, de 82 anos, cuja mãe, parteira, trouxe Pinto Monteiro ao mundo, há 64 anos.

Queriam todos cumprimentá-lo pessoalmente, mas o governo civil determinou que terão de se manter a uma distância de cem metros do Palácio de Belém, seguindo as regras que se aplicam a todas as manifestações.

Cavaco Silva dá conselhos

O Presidente da República, Cavaco Silva, presidirá à cerimónia, para a qual preparou um curto discurso em que saúda a nova fase que se inicia na procuradoria sob a liderança de Pinto Monteiro. Aproveitará para recomendar autoridade e discrição.

Aparentemente com uma enorme tranquilidade - que quem não o conhece de perto interpreta como ingenuidade -, este juiz-conselheiro sai do Supremo Tribunal de Justiça onde ingressou, em 1998, para aceitar o desafio de "mandar" no Ministério Público.

Entre as outras centenas de pessoas que contam ir felicitá-lo esperam-se também muitos alunos da Universidade Autónoma de Lisboa, onde deu aulas de Direito Civil, gratuitamente, ao longo de 14 anos. Dezenas e dezenas de colegas magistrados. Muitos amigos. E, claro, a família, em que abundam os licenciados em Direito, entre os quais a própria filha e o irmão, conhecido professor catedrático, em Coimbra.

No meio dos anónimos, pode ser que também se encontrem a mulher e o homem que o esperaram, há dias, à entrada do Supremo Tribunal de Justiça, para lhe pedir que "endireitasse" o país e para lhe solicitar atenção para uma "flagrante injustiça".

Noronha do Nascimento, recém-nomeado presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), não deverá deslocar-se a Belém. Ainda não foi empossado no cargo que o obrigaria a estar presente e não se inclui entre os amigos do conselheiro.

O discurso de Pinto Monteiro prevê-se curto. Relatos de amigos referem a sua intenção de declarar a disponibilidade de "tomar as rédeas" do Ministério Público. Fazer respeitar as hierarquias. Exigir informação. E mandar. Compenetrado de que o poder do procurador-geral da República é grande, mas bem menor do que a maioria das pessoas pensa.

Em algumas conversas privadas tem sublinhado que, sobretudo, tem "cabeça de juiz" e diz-se "avisado" dos perigos e das "armadilhas".

Casa Pia entre as prioridades

Com todas as diferenças que o separam de Souto Moura, a principal das quais é o facto de não ser um penalista, Pinto Monteiro prepara-se para "agarrar" os processos mais complicados, que herdou do ex-procurador-geral, o da Casa Pia em primeiro lugar. Embora já se encontre na fase de julgamento, o acompanhamento da actuação do magistrado que representa o Ministério Público nas audiências, João Aibéo, é considerado essencial. Chamá-lo para que o informe sobre alguns pormenores do processo deverá ser, aliás, uma das primeiras iniciativas de Pinto Monteiro.

Quem bem o conhece considera "impensável" que se verifiquem situações como a que se observou no caso do procurador João Guerra, que conduziu o inquérito do processo Casa Pia sem partilhar informação com Souto Moura.

Além dos casos que já saíram da órbita do Ministério Público, mas em relação aos quais continua a ser necessário dar instruções e dos processos herdados, Pinto Monteiro terá de se preparar para gerir novos casos, cujo conhecimento se prevê para breve.

Há quem duvide que o juiz, bem humorado e amante da sua privacidade, se encontre bem ciente das dificuldades do lugar e aguente as pressões do cargo. Mas os amigos mais antigos sorriem perante essa primeira impressão: "Quem diz isso é porque não o conhece", assegura um juiz, companheiro de longa data. "Aquele ar descontraído é da experiência, da segurança e da teimosia."


Por Paula Torres de Carvalho, in PUBLICO.PT

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