terça-feira, outubro 24, 2006

Cobrar dívidas na justiça está a demorar três anos


"Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo" - diz a Constituição da República Portuguesa (CRP) no n.º 4 do artigo 20.º. Mas, o tempo médio de resolução de uma acção executiva é de 31 meses, segundo divulgou ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE), a propósito do Dia Europeu da Justiça Cível que se assinala hoje. Ou seja, a cobrança de uma dívida através do recurso à justiça demora quase três anos, enquanto que um divórcio é despachado em 10 meses. A pendência total nos tribunais é já superior a um milhão e oitocentos mil processos, revelou ainda o INE.

Sistema "colonizado"

"É absolutamente inconcebível que uma cobrança de dívida se arraste durante três anos", comentou ao DN o bastonário da Ordem do Advogados. "Se a média é essa, quantos processos demorarão muito mais?" questionou Rogério Alves, frisando: "Isto não só viola a CRP, como viola também o bom senso e a imagem do Estado."

Mas não só a morosidade é causa de incumprimento constitucional. O princípio da equidade, igualmente consagrado no artigo 20.º, está a ser violado. O alerta foi recentemente lançado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP): "Os litigantes frequentes (sociedades comerciais de grande expressão, sobretudo do sector financeiro) estão a 'colonizar' o novo sistema de execuções, mobilizando os solicitadores de execução mais eficientes para os seus processos, o mesmo fazendo determinados escritórios de advogados mais organizados nesta área, assumindo-se como 'grossistas' da execução." Isto quer dizer - acrescenta a ASJP - que os cidadãos estão "desguarnecidos no acesso ao sistema". E explica: "Sendo a oferta dos solicitadores de execução escassa, estes tendem a servir sobretudo os utilizadores 'grossistas', remetendo os outros para 'filas de espera' sem fim à vista".

Rogério Alves comunga da mesma preocupação: "A insuficiência de solicitadores de execução, em consequência da reforma em vigor, pode permitir distorções corrosivas".

Fazendo uma análise da evolução processual ao longo da última década (1996-2005), o INE concluiu que a resolução de uma acção executiva passou de 16 para 31 meses. O dados revelados ontem indicam que, em Dezembro de 2005, a pendência cível era de quase um milhão e quatrocentos mil processos, sendo 72,3% acções executivas. De salientar que a pendência cível corresponde a 76% da pendência total dos tribunais. Significa que esta é já superior a um milhão e oitocentos mil processos, segundo os números do INE.

Antes da reforma introduzida em 2003, era Celeste Cardona ministra da Justiça, - no governo de Durão Barroso - quase unanimemente se reconhecia a ineficácia do sistema de execuções judiciais. Criticava-se a excessiva morosidade de que padecia, bem como a inoperância ao nível prático nos mecanismos de penhora e de liquidação de bens.

Os operadores judiciários reconhecem agora que a reforma não só não correspondeu às expectativas geradas pela então ministra da Justiça - hoje administradora da Caixa Geral de Depósitos - como criou novas paralisias. A tal ponto que a ASJP identifica o sistema de execuções como "o principal elemento de descrédito dos tribunais e da sua autoridade enquanto factor de controlo social, para além dos reflexos negativos na economia nacional".

O Ministério da Justiça teve, naturalmente, de tomar medidas e anunciou que durante dois anos, com início em 2007, as acções executivas que forem intentadas por particulares vão poder ser realizadas também por oficiais de justiça (...) - ideia que, aliás, foi proposta pela ASJP.

Para o futuro e, de forma definitiva, também os advogados irão poder desempenhar esse serviço público. Ou seja, em 2007 estarão paralelamente e simultaneamente oficiais de justiça e solicitadores de execução a efectuar as mesmas funções. "O que terá mais desvantagens do que vantagens", assegurou ao DN o presidente da Câmara dos Solicitadores, António Gomes da Cunha.

Por Licínio Lima, in DN Online

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