"Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo" - diz a Constituição da República Portuguesa (CRP) no n.º 4 do artigo 20.º. Mas, o tempo médio de resolução de uma acção executiva é de 31 meses, segundo divulgou ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE), a propósito do Dia Europeu da Justiça Cível que se assinala hoje. Ou seja, a cobrança de uma dívida através do recurso à justiça demora quase três anos, enquanto que um divórcio é despachado em 10 meses. A pendência total nos tribunais é já superior a um milhão e oitocentos mil processos, revelou ainda o INE.
Sistema "colonizado"
"É absolutamente inconcebível que uma cobrança de dívida se arraste durante três anos", comentou ao DN o bastonário da Ordem do Advogados. "Se a média é essa, quantos processos demorarão muito mais?" questionou Rogério Alves, frisando: "Isto não só viola a CRP, como viola também o bom senso e a imagem do Estado."
Mas não só a morosidade é causa de incumprimento constitucional. O princípio da equidade, igualmente consagrado no artigo 20.º, está a ser violado. O alerta foi recentemente lançado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP): "Os litigantes frequentes (sociedades comerciais de grande expressão, sobretudo do sector financeiro) estão a 'colonizar' o novo sistema de execuções, mobilizando os solicitadores de execução mais eficientes para os seus processos, o mesmo fazendo determinados escritórios de advogados mais organizados nesta área, assumindo-se como 'grossistas' da execução." Isto quer dizer - acrescenta a ASJP - que os cidadãos estão "desguarnecidos no acesso ao sistema". E explica: "Sendo a oferta dos solicitadores de execução escassa, estes tendem a servir sobretudo os utilizadores 'grossistas', remetendo os outros para 'filas de espera' sem fim à vista".
Rogério Alves comunga da mesma preocupação: "A insuficiência de solicitadores de execução, em consequência da reforma em vigor, pode permitir distorções corrosivas".
Fazendo uma análise da evolução processual ao longo da última década (1996-2005), o INE concluiu que a resolução de uma acção executiva passou de 16 para 31 meses. O dados revelados ontem indicam que, em Dezembro de 2005, a pendência cível era de quase um milhão e quatrocentos mil processos, sendo 72,3% acções executivas. De salientar que a pendência cível corresponde a 76% da pendência total dos tribunais. Significa que esta é já superior a um milhão e oitocentos mil processos, segundo os números do INE.
Antes da reforma introduzida em 2003, era Celeste Cardona ministra da Justiça, - no governo de Durão Barroso - quase unanimemente se reconhecia a ineficácia do sistema de execuções judiciais. Criticava-se a excessiva morosidade de que padecia, bem como a inoperância ao nível prático nos mecanismos de penhora e de liquidação de bens.
Os operadores judiciários reconhecem agora que a reforma não só não correspondeu às expectativas geradas pela então ministra da Justiça - hoje administradora da Caixa Geral de Depósitos - como criou novas paralisias. A tal ponto que a ASJP identifica o sistema de execuções como "o principal elemento de descrédito dos tribunais e da sua autoridade enquanto factor de controlo social, para além dos reflexos negativos na economia nacional".
O Ministério da Justiça teve, naturalmente, de tomar medidas e anunciou que durante dois anos, com início em 2007, as acções executivas que forem intentadas por particulares vão poder ser realizadas também por oficiais de justiça (...) - ideia que, aliás, foi proposta pela ASJP.
Para o futuro e, de forma definitiva, também os advogados irão poder desempenhar esse serviço público. Ou seja, em 2007 estarão paralelamente e simultaneamente oficiais de justiça e solicitadores de execução a efectuar as mesmas funções. "O que terá mais desvantagens do que vantagens", assegurou ao DN o presidente da Câmara dos Solicitadores, António Gomes da Cunha.
Por Licínio Lima, in DN Online
Sistema "colonizado"
"É absolutamente inconcebível que uma cobrança de dívida se arraste durante três anos", comentou ao DN o bastonário da Ordem do Advogados. "Se a média é essa, quantos processos demorarão muito mais?" questionou Rogério Alves, frisando: "Isto não só viola a CRP, como viola também o bom senso e a imagem do Estado."
Mas não só a morosidade é causa de incumprimento constitucional. O princípio da equidade, igualmente consagrado no artigo 20.º, está a ser violado. O alerta foi recentemente lançado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP): "Os litigantes frequentes (sociedades comerciais de grande expressão, sobretudo do sector financeiro) estão a 'colonizar' o novo sistema de execuções, mobilizando os solicitadores de execução mais eficientes para os seus processos, o mesmo fazendo determinados escritórios de advogados mais organizados nesta área, assumindo-se como 'grossistas' da execução." Isto quer dizer - acrescenta a ASJP - que os cidadãos estão "desguarnecidos no acesso ao sistema". E explica: "Sendo a oferta dos solicitadores de execução escassa, estes tendem a servir sobretudo os utilizadores 'grossistas', remetendo os outros para 'filas de espera' sem fim à vista".
Rogério Alves comunga da mesma preocupação: "A insuficiência de solicitadores de execução, em consequência da reforma em vigor, pode permitir distorções corrosivas".
Fazendo uma análise da evolução processual ao longo da última década (1996-2005), o INE concluiu que a resolução de uma acção executiva passou de 16 para 31 meses. O dados revelados ontem indicam que, em Dezembro de 2005, a pendência cível era de quase um milhão e quatrocentos mil processos, sendo 72,3% acções executivas. De salientar que a pendência cível corresponde a 76% da pendência total dos tribunais. Significa que esta é já superior a um milhão e oitocentos mil processos, segundo os números do INE.
Antes da reforma introduzida em 2003, era Celeste Cardona ministra da Justiça, - no governo de Durão Barroso - quase unanimemente se reconhecia a ineficácia do sistema de execuções judiciais. Criticava-se a excessiva morosidade de que padecia, bem como a inoperância ao nível prático nos mecanismos de penhora e de liquidação de bens.
Os operadores judiciários reconhecem agora que a reforma não só não correspondeu às expectativas geradas pela então ministra da Justiça - hoje administradora da Caixa Geral de Depósitos - como criou novas paralisias. A tal ponto que a ASJP identifica o sistema de execuções como "o principal elemento de descrédito dos tribunais e da sua autoridade enquanto factor de controlo social, para além dos reflexos negativos na economia nacional".
O Ministério da Justiça teve, naturalmente, de tomar medidas e anunciou que durante dois anos, com início em 2007, as acções executivas que forem intentadas por particulares vão poder ser realizadas também por oficiais de justiça (...) - ideia que, aliás, foi proposta pela ASJP.
Para o futuro e, de forma definitiva, também os advogados irão poder desempenhar esse serviço público. Ou seja, em 2007 estarão paralelamente e simultaneamente oficiais de justiça e solicitadores de execução a efectuar as mesmas funções. "O que terá mais desvantagens do que vantagens", assegurou ao DN o presidente da Câmara dos Solicitadores, António Gomes da Cunha.
Por Licínio Lima, in DN Online
Sem comentários:
Enviar um comentário