Peter J. Messitte garante que, cinco anos depois do 11 de Setembro, o medo de um novo atentado terrorista faz com que a maioria dos americanos continue a colocar a necessidade de segurança à frente do desejo de liberdade individual. Durante uma visita a Portugal, onde deu uma palestra sobre o sistema judicial americano e os direitos humanos, na Universidade Autónoma de Lisboa, o juiz explicou ao DN - num português com sotaque do Brasil - que cabe aos tribunais controlar os excessos da Administração Bush na luta contra o terror. "Agora tudo está nas mãos dos tribunais", afirmou.
Na luta contra o terrorismo os fins justificam os meios?
A opinião pública americana está dividida. Há quem acredite que a tortura não deve ser usada independentemente da situação. As Convenções de Genebra são claras. Outros citam o caso da "bomba-relógio". Ou seja, um homem que talvez saiba algo sobre uma conspiração para fazer explodir uma bomba que pode matar milhares de pessoas dentro de uma hora. Alguns pensam que a tortura é legítima para obter essa informação. No resto do mundo, a opinião pública parece estar totalmente contra o recurso à força, mas nos EUA há uma tensão entre liberdade e segurança. Em tempo de crise, a primeira é muitas vezes sacrificada em nome da segunda.
Depois do 11 de Setembro, a segurança tornou-se na grande preocupação dos americanos em detrimento da liberdade. Cinco anos depois, a situação mantém-se?
Diria que sim. A possibilidade de ocorrer novo atentado existe. Os políticos mantêm os níveis de alerta elevados e os cidadãos não sabem o que vai acontecer. Já assistiram à morte de três mil pessoas num só dia, situação inédita, mas que se pode repetir. Fala-se em guerra biológica, em antrax, em poluição das águas públicas. Quem defende medidas duras contra os terroristas cita estes casos e o cidadão não sabe o que fazer. Quando falamos da guerra no Iraque, percebemos que a maioria está contra o conflito que deu origem a denúncias de tortura em Abu Ghraib e Guantánamo. Veremos se nas eleições [intercalares, a 7 de Novembro] assistimos a uma mudança.
Um regresso dos democratas à liderança do Congresso mudará a atitude dos EUA face à ameaça terrorista e aos direitos humanos?
Talvez, mas não sei quando é que essa mudança vai acontecer. Não sei se as restrições à entrada de estrangeiros nos EUA serão alteradas. Houve uma grande reacção dos congressistas democratas - e também de alguns republicanos - contra o uso da tortura. Mas, mesmo que o Congresso mude de mãos, o Presidente continuará a ser republicano pelo menos durante mais dois anos. Para ele vai ser mais complicado convencer pessoas de outro partidos a aceitarem a sua política. A ideia de contrapeso é muito importante. Em Junho, o Supremo considerou ilegais os tribunais militares. Mas não de forma definitiva. No dia 17, o Presidente Bush passou uma lei que os estabelece para julgar suspeitos de terrorismo. Vamos ver se os tribunais endossam os limites impostos aos direitos dos suspeitos de terrorismo.
Os tribunais têm força para travar os excessos da Administração Bush?
É evidente que têm. Exemplo disso foi a decisão do Supremo, apesar de o Presidente Bush ter decidido seguir para o Congresso - que controla - e pedir a sua autorização para estabelecer esses tribunais.
A situação dos detidos de Guantánamo tem sido uma das mais criticadas a nível internacional. Qual o futuro desta base americana?
É difícil dizer qual a melhor solução. Antes da decisão do Supremo, em Junho, o Presidente Bush tinha dito que Guantánamo iria encerrar em breve. Mas os republicanos leram o acórdão do tribunal como uma espécie de legitimação da existência da prisão. Para um Governo, capturar "combatentes inimigos" é mais fácil do que se se tratasse de soldados de outro Estado. Hoje, a grande questão reside em saber os direitos dos detidos na guerra contra o terrorismo. Cada caso é um desafio. Um dos aspectos da nova legislação é a limitação no acesso dos detidos aos tribunais, que só podem recorrer aos militares e não estão abrangidos pela Convenção de Genebra, uma vez que não são considerados prisioneiros de guerra. Agora tudo está nas mãos dos tribunais e espero que o desfecho seja satisfatório.
O Presidente Bush já admitiu a existência de prisões secretas da CIA e o recurso à força nos interrogatórios. Como é que um juiz lida com informações que podem ter sido conseguidas sob tortura?
Se as provas ou uma confissão forem obtidas ilegalmente, não podem ser usadas em tribunal. Isso não significa que as autoridades não recorram à tortura para obter informações, apenas que não as podem usar em tribunal.
in DN Online
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