João César das Neves
Professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
"Há cinco anos a capital da actual potência dominante foi severamente atacada. A barbaridade, a violência gratuita, a terrível injustiça, o simples horror daquele dia 11 de Setembro de 2001 ultrapassaram novos limites na infame história do terrorismo. Como se lida com o susto, a perplexidade, o medo, a raiva? Perante a dimensão do mal é difícil saber reagir, mas é nessas ocasiões que se torna essencial manter a serenidade e a virtude para não entrar na espiral de crueldade que nos é imposta. Infelizmente entrámos. Foi a reacção, e não o atentado, que o transformou numa ruptura decisiva.
O mundo mudou mas não com o golpe. Perdemos o 11 de Setembro a 7 de Outubro. Os aliados, enquanto bombardeavam as populações do Afeganistão e Iraque, ampliavam os efeitos muito para lá do que poderiam sonhar os assassinos. O terror atingiu o seu máximo efeito. Foi uma grande vitória dos terroristas!
Assumindo que os relatos do atentado são rigorosos, verificam-se logo largas discrepâncias entre os factos e as suas interpretações. Primeiro, não existiram quaisquer "armas de destruição maciça" envolvidas. Há décadas que o Ocidente teme um ataque desses, mas os criminosos usaram só facas. Além disso, não houve quaisquer países implicados. Aliás o assalto nem sequer foi reinvindicado e os seus propósitos directos ficaram desconhecidos. Finalmente, o elemento que o tornou devastador foi algo que surpreendeu até os terroristas: a incrível fragilidade estrutural do World Trade Centre. Se o ataque fosse ao Empire State Building as vítimas seriam mínimas.
Assim, os protagonistas das acções destes últimos cinco anos estiveram ausentes do atentado que alegadamente lhes deu origem. Nem o Afeganistão, nem o Iraque, nem as armas de destruição maciça representaram qualquer papel naquela terrível manhã. Aliás, as famigeradas armas mantiveram-se teimosamente ausentes em todo o processo e só agora ameaçam aparecer, mas no Irão e na Coreia do Norte, que nada têm a ver com o assunto. Por outro lado o arrojo arrogante do arquitecto das Torres Gémeas nem sequer foi indiciado.
As finalidades do golpe eram duas: criar terror no Ocidente e desconfiança entre o mundo e o Islão. O acontecimento em si não chegava para tal, mas a resposta dos dirigentes e as descrições dos jornalistas garantiram esses efeitos. Ao decretarem uma "guerra contra o terrorismo internacional" os EUA transformaram um assunto de polícia e espionagem numa magna questão militar e diplomática. Um só atentado já gerou duas guerras, milhares de vítimas, dois países à beira do colapso e a criação de um quadro internacional dos mais tensos de sempre. Era precisamente isso que os terroristas queriam.
Há décadas que a famigerada Al-Qaeda ansiava pela visibilidade. As reacções ao desastre elevaram-na à condição de grande actor da cena internacional. A sua realidade é nebulosa, mas foi-lhe atribuída a pior arma possível contra o Ocidente burguês e consumista. Uma velha máxima da História diz que nada faz mais medo aos que vivem no conforto que o alegado desprendimento de quem se entrega a uma causa. Há 158 anos foi declarado: "Os proletários nada têm a perder a não ser suas algemas" (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista, 4). Era mentira, mas o grito fez tremer o sistema capitalista e quase o venceu. Hoje os jornais falam de multidões de jovens islâmicos capazes de desprezar a vida.
Na verdade, os piores inimigos da Al-Qaeda sempre foram os governos árabes e os militantes da "Irmandade Muçulmana". As divisões entre as várias tendências só se esbatem perante as ameaças. Após o atentado, a opinião pública ocidental tendeu a desconfiar indiscriminadamente de todas as instituições maometanas. Após os ataques ocidentais na região, a opinião pública árabe elevou os terroristas a heróis e tornou difícil a sua perseguição pelas polícias locais. Deste modo a desconfiança mútua cresceu acentudamente. A espiral da crueldade subiu mais um furo.
O acontecimento de há cinco anos, único em décadas de terrorismo, nasceu de enorme audácia, cuidadosa preparação e muito azar. Mas só a desastrada, mesmo se previsível, resposta à catástrofe lhe garantiu os efeitos pretendidos pelos autores. Deixámos o veneno penetrar no sangue. O dia 11 de Setembro de 2001 constitui um marco histórico decisivo. Um dos principais factores disso é a nossa insistência em ver o dia 11 de Setembro de 2001 como um marco histórico decisivo."
in Diário de Notícias
Professor universitário
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
"Há cinco anos a capital da actual potência dominante foi severamente atacada. A barbaridade, a violência gratuita, a terrível injustiça, o simples horror daquele dia 11 de Setembro de 2001 ultrapassaram novos limites na infame história do terrorismo. Como se lida com o susto, a perplexidade, o medo, a raiva? Perante a dimensão do mal é difícil saber reagir, mas é nessas ocasiões que se torna essencial manter a serenidade e a virtude para não entrar na espiral de crueldade que nos é imposta. Infelizmente entrámos. Foi a reacção, e não o atentado, que o transformou numa ruptura decisiva.
O mundo mudou mas não com o golpe. Perdemos o 11 de Setembro a 7 de Outubro. Os aliados, enquanto bombardeavam as populações do Afeganistão e Iraque, ampliavam os efeitos muito para lá do que poderiam sonhar os assassinos. O terror atingiu o seu máximo efeito. Foi uma grande vitória dos terroristas!
Assumindo que os relatos do atentado são rigorosos, verificam-se logo largas discrepâncias entre os factos e as suas interpretações. Primeiro, não existiram quaisquer "armas de destruição maciça" envolvidas. Há décadas que o Ocidente teme um ataque desses, mas os criminosos usaram só facas. Além disso, não houve quaisquer países implicados. Aliás o assalto nem sequer foi reinvindicado e os seus propósitos directos ficaram desconhecidos. Finalmente, o elemento que o tornou devastador foi algo que surpreendeu até os terroristas: a incrível fragilidade estrutural do World Trade Centre. Se o ataque fosse ao Empire State Building as vítimas seriam mínimas.
Assim, os protagonistas das acções destes últimos cinco anos estiveram ausentes do atentado que alegadamente lhes deu origem. Nem o Afeganistão, nem o Iraque, nem as armas de destruição maciça representaram qualquer papel naquela terrível manhã. Aliás, as famigeradas armas mantiveram-se teimosamente ausentes em todo o processo e só agora ameaçam aparecer, mas no Irão e na Coreia do Norte, que nada têm a ver com o assunto. Por outro lado o arrojo arrogante do arquitecto das Torres Gémeas nem sequer foi indiciado.
As finalidades do golpe eram duas: criar terror no Ocidente e desconfiança entre o mundo e o Islão. O acontecimento em si não chegava para tal, mas a resposta dos dirigentes e as descrições dos jornalistas garantiram esses efeitos. Ao decretarem uma "guerra contra o terrorismo internacional" os EUA transformaram um assunto de polícia e espionagem numa magna questão militar e diplomática. Um só atentado já gerou duas guerras, milhares de vítimas, dois países à beira do colapso e a criação de um quadro internacional dos mais tensos de sempre. Era precisamente isso que os terroristas queriam.
Há décadas que a famigerada Al-Qaeda ansiava pela visibilidade. As reacções ao desastre elevaram-na à condição de grande actor da cena internacional. A sua realidade é nebulosa, mas foi-lhe atribuída a pior arma possível contra o Ocidente burguês e consumista. Uma velha máxima da História diz que nada faz mais medo aos que vivem no conforto que o alegado desprendimento de quem se entrega a uma causa. Há 158 anos foi declarado: "Os proletários nada têm a perder a não ser suas algemas" (Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista, 4). Era mentira, mas o grito fez tremer o sistema capitalista e quase o venceu. Hoje os jornais falam de multidões de jovens islâmicos capazes de desprezar a vida.
Na verdade, os piores inimigos da Al-Qaeda sempre foram os governos árabes e os militantes da "Irmandade Muçulmana". As divisões entre as várias tendências só se esbatem perante as ameaças. Após o atentado, a opinião pública ocidental tendeu a desconfiar indiscriminadamente de todas as instituições maometanas. Após os ataques ocidentais na região, a opinião pública árabe elevou os terroristas a heróis e tornou difícil a sua perseguição pelas polícias locais. Deste modo a desconfiança mútua cresceu acentudamente. A espiral da crueldade subiu mais um furo.
O acontecimento de há cinco anos, único em décadas de terrorismo, nasceu de enorme audácia, cuidadosa preparação e muito azar. Mas só a desastrada, mesmo se previsível, resposta à catástrofe lhe garantiu os efeitos pretendidos pelos autores. Deixámos o veneno penetrar no sangue. O dia 11 de Setembro de 2001 constitui um marco histórico decisivo. Um dos principais factores disso é a nossa insistência em ver o dia 11 de Setembro de 2001 como um marco histórico decisivo."
in Diário de Notícias
Sem comentários:
Enviar um comentário