segunda-feira, setembro 18, 2006

"PJ isenta não é cómoda para o poder"


"A isenção da Polícia Judiciária não é cómoda para o poder político. Por isso a solução para a travar é retirar-lhe meios". Quem esta crítica assume não é um observador distante. É alguém que, tendo dedicado à instituição 37 anos da sua vida, se sente amargurado com o estado de "degradação" que diz ter atingido.

Sousa Martins investigou casos tão mediáticos como o do padre Frederico, o primeiro de pedofilia no país, ou da captura do mafioso italiano Emilio di Giovinni, que considera o mais marcante da sua carreira. Não por originar a atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Mérito de Espanha - uma das muitas distinções de que se orgulha - mas pela cooperação com as polícias espanhola e italiana que propiciou, permitindo, mais tarde, capturar 128 criminosos em Espanha e 26 no Algarve. Aí nasceu a sua amizade com o juiz Baltasar Garzón, que ainda hoje perdura.

Aposentado desde 2003, Sousa Martins sublinha que nunca foi "acusado de parcialidade política". Não esquece é a "perseguição" a que afirma ter sido sujeito durante cinco anos. Em 1999, demitiu- se do cargo de director-geral adjunto da PJ quando Fernando Negrão bateu com a porta, em conflito com Vera Jardim, ministro da Justiça, e Cunha Rodrigues, procurador-geral da República. A essa atitude atribui a "devassa da vida pessoal e profissional" que sofreu. Porém, não revela arrependimento "Se apoio as razões do meu chefe, só tenho um caminho: sair também, de acordo com os meus valores de lealdade e solidariedade".

"Só em Janeiro deste ano fui ouvido", revela, lembrando que na gestão de Luís Bonina - "o pior director que a PJ teve" - lhe foram retiradas competências durante um ano. Todos os processos-crime e disciplinares de que foi alvo, baseados em cartas anónimas, acabaram arquivados. Resta uma acção contra o advogado Arnaldo Matos, por alegado uso de linguagem agressiva em sua defesa.

"Isto pode acontecer a qualquer um", alerta Sousa Martins, expressando preocupação com o rumo da Justiça. "O Ministério Público é a única entidade que se fiscaliza a si própria. As escutas banalizaram-se. Hoje, não se investiga; escuta-se. Mas penso que se está a arrepiar caminho, porque tocou a muita gente". Um (ex-)polícia cujo discurso nem parece de polícia "A prisão tornou-se espectáculo mediático, sem pesar os prejuízos causados a quem é vexado".

Retirado da PJ, recusou sempre convites de empresas privadas. Preside à Assembleia Geral da Associação Internacional de Polícias e ainda é membro da Academia do FBI, onde frequentou cursos de antiterrorismo. Estudioso do fenómeno, defende, também neste campo, a cooperação internacional. "Nenhum país consegue, por si só, combater o terrorismo".

Por Paulo Martins, in
JN Online

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