Eduardo Dâmaso
"A questão de saber se a inclusão de medidas específicas de combate à corrupção no acordo que PS e PSD firmaram sobre justiça é importante ou, pelo contrário, irrelevante não tem sido suficientemente debatida.
O Governo tem-se esforçado por dizer que não é preciso mudar a lei mas sim investir mais nos meios. Tem razão nesta última parte, mas não basta dizer que se vai reforçar em abstracto os quadros da PJ com mais 150 agentes. É preciso que os meios sejam distribuídos em função de uma estratégia concreta e essa não se vê onde está. Daí a importância das propostas do deputado João Cravinho. Daí a importância de mexer em alguns aspectos legislativos.
As propostas de Cravinho são um bom contributo para que se possa definir uma estratégia preventiva mas também de repressão. Desde logo permitiram eliminar o bloqueio que resulta da cada vez mais perturbante distinção entre corrupção para acto lícito e para acto ilícito. Criar um organismo capaz de executar políticas preventivas na administração pública, começando por fiscalizar a inacreditável opacidade de dezenas de concursos ditos públicos ou tornando mais eficaz a comissão de acesso a documentos administrativos, poderia ser uma boa oportunidade, assim houvesse vontade política de o operacionalizar.
Por outro lado, só pode estar a brincar quem não ache importante ultrapassar o inexpugnável obstáculo da lei penal que exige uma contrapartida directa, promessa ou solicitação da mesma, para que o crime se verifique. Na prática, esta formulação não penaliza o funcionário público (autarca, deputado, funcionário administrativo, juiz, procurador, polícia) por receber prendas de grande ou considerável valor. Um funcionário que tenha recebido de um empresário a prenda de uma viagem à volta do mundo para toda a família uns meses depois de esse empresário ter ganhado um concurso onde o primeiro possa ter tido intervenção decisiva não deve ser punido? Um político que entrega concursos de obras públicas por ajuste directo a uma empresa para onde irá trabalhar quando terminar o mandato deve continuar a viver no actual regime de completa impunidade? A actual formulação do crime de tráfico de influências satisfaz a consciência dos eminentes juristas que legislam em Portugal? Os exemplos poderiam ser intermináveis. Bastaria que o Governo quisesse ouvir quem sabe. O que não é suportável são as respostas "políticas" de assobiar para o lado que se têm visto nos últimos dias."
in Diário de Notícias
(negrito nosso)
"A questão de saber se a inclusão de medidas específicas de combate à corrupção no acordo que PS e PSD firmaram sobre justiça é importante ou, pelo contrário, irrelevante não tem sido suficientemente debatida.
O Governo tem-se esforçado por dizer que não é preciso mudar a lei mas sim investir mais nos meios. Tem razão nesta última parte, mas não basta dizer que se vai reforçar em abstracto os quadros da PJ com mais 150 agentes. É preciso que os meios sejam distribuídos em função de uma estratégia concreta e essa não se vê onde está. Daí a importância das propostas do deputado João Cravinho. Daí a importância de mexer em alguns aspectos legislativos.
As propostas de Cravinho são um bom contributo para que se possa definir uma estratégia preventiva mas também de repressão. Desde logo permitiram eliminar o bloqueio que resulta da cada vez mais perturbante distinção entre corrupção para acto lícito e para acto ilícito. Criar um organismo capaz de executar políticas preventivas na administração pública, começando por fiscalizar a inacreditável opacidade de dezenas de concursos ditos públicos ou tornando mais eficaz a comissão de acesso a documentos administrativos, poderia ser uma boa oportunidade, assim houvesse vontade política de o operacionalizar.
Por outro lado, só pode estar a brincar quem não ache importante ultrapassar o inexpugnável obstáculo da lei penal que exige uma contrapartida directa, promessa ou solicitação da mesma, para que o crime se verifique. Na prática, esta formulação não penaliza o funcionário público (autarca, deputado, funcionário administrativo, juiz, procurador, polícia) por receber prendas de grande ou considerável valor. Um funcionário que tenha recebido de um empresário a prenda de uma viagem à volta do mundo para toda a família uns meses depois de esse empresário ter ganhado um concurso onde o primeiro possa ter tido intervenção decisiva não deve ser punido? Um político que entrega concursos de obras públicas por ajuste directo a uma empresa para onde irá trabalhar quando terminar o mandato deve continuar a viver no actual regime de completa impunidade? A actual formulação do crime de tráfico de influências satisfaz a consciência dos eminentes juristas que legislam em Portugal? Os exemplos poderiam ser intermináveis. Bastaria que o Governo quisesse ouvir quem sabe. O que não é suportável são as respostas "políticas" de assobiar para o lado que se têm visto nos últimos dias."
in Diário de Notícias
(negrito nosso)
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