A enfrentar a maior massificação de sempre da profissão, e sem resposta de emprego para todos os associados, vendo, ao mesmo tempo, o estatuto de profissionais liberais a transformar-se numa quase caricatura, a Ordem dos Advogados (OA), arauta da honra da profissão, assinala amanhã 80 anos de vida em clima de cisão. Sem conseguir evitar que os seus profissionais se agrupem, dispersos, por associações representativas - de sociedades de advogados, de advogados de empresa, de jovens advogados, de advogados de prática isolada, e de outros, como verdadeiros embriões de divisão -, a Ordem queixa-se de ataques "sem precedentes" contra si e vê reivindicar a criação de várias ordens.
O bastonário Rogério Alves convocou para Coimbra uma Assembleia Geral extraordinária para assinalar amanhã a efeméride, e também para discutir o presente com vista a preparar o futuro. A profissionalização da maioria dos serviços da Ordem é, para já, uma medida urgente que deverá ser aprovada.
A massificação
Em pouco mais de 20 anos, o número de advogados em Portugal passou de quatro mil para quase 24 mil. Esta massificação, com génese na proliferação de cursos de Direito em cerca de 20 escolas superiores - a "produzir" perto de 1700 novos profissionais anualmente - está a suscitar problemas novos à OA. A média é, actualmente, de um advogado para 446 habitantes, sendo Portugal ultrapassado apenas pela Espanha e pela Grécia, no âmbito da União Europeia. Na Finlândia, os 1500 advogados equivalem a 1/4333.
Um dos problemas suscitados é o da proletarização. Afinal, apenas 45% exerce a actividade a tempo inteiro. Destes, cerca de 25% integram as 792 sociedades de advogados, usufruindo de estabilidade profissional e de ordenados acima da média. Situação semelhante é a dos cerca de 15% de advogados de empresa, contratados por instituições privadas e públicas. Relativamente a estes dois grupos, discute-se apenas se podem, ou não, evocar o estatuto de profissionais liberais, que é da essência da profissão em prol da independência. Mas, nos tempos que correm, o importante é ter trabalho, mesmo que seja por conta de outrem, e subordinado a interesses concretos.
A proletarização
A maioria, cerca de 60%, dos que exercem a actividade a tempo inteiro, abraça a prática isolada. Aqui, os problemas estão para além da concorrência que afecta, sobretudo, as sociedades - confrontadas estas, sobretudo, com a implantação de firmas internacionais em Portugal.
Os advogados de prática isolada acabam por "empregar" nos seus escritórios a maioria dos colegas que não exerce a actividade a tempo inteiro, entregando-lhes alguns "biscates" para que usufruam de 400 ou 500 euros por mês. O trabalho restringe-se quase só ao apoio judiciário, em defesas oficiosas pagas pelo Estado, para as quais despendeu no ano passado 45 milhões de euros. Em 2004 foram 27 milhões, e 28 milhões em 2003. Para usufruir de um pequeno salário os causídicos têm, muitas vezes, de suportar horas de trabalho infindáveis, que um advogado classificou de "quase mão de obra escrava".
Estado-Providência
A legislação que suporta o apoio judiciário está a ser revista, pretendendo a OA que passe a incluir a consulta jurídica, o que pode significar mais alguns euros em honorários. A lei que regula a acção executiva vai também ser alterada, dando oportunidade aos advogados de exercer a actividade de solicitadores de execução. A Ordem conseguiu ainda fazer aprovar a lei dos actos próprios dos advogados, com fortes penalizações para quem lhes "roubar" trabalho. Há já alguns anos tinha conseguido que algumas actividades dos notários, como a autenticação de documentos, fossem também da competência daqueles profissionais.
Entre os advogados de prática isolada, que lutam pela sobrevivência, e as sociedades em concorrência feroz, e ainda perante os advogados de empresa que exigem ser reconhecidos como os demais, a OA é neste momento uma panela de pressão pronta a explodir. A existência de uma Ordem para cada grupo é uma ideia defendida em vários sectores, sugerindo uma inevitável cisão.
Por Licínio Lima, in DN Online
O bastonário Rogério Alves convocou para Coimbra uma Assembleia Geral extraordinária para assinalar amanhã a efeméride, e também para discutir o presente com vista a preparar o futuro. A profissionalização da maioria dos serviços da Ordem é, para já, uma medida urgente que deverá ser aprovada.
A massificação
Em pouco mais de 20 anos, o número de advogados em Portugal passou de quatro mil para quase 24 mil. Esta massificação, com génese na proliferação de cursos de Direito em cerca de 20 escolas superiores - a "produzir" perto de 1700 novos profissionais anualmente - está a suscitar problemas novos à OA. A média é, actualmente, de um advogado para 446 habitantes, sendo Portugal ultrapassado apenas pela Espanha e pela Grécia, no âmbito da União Europeia. Na Finlândia, os 1500 advogados equivalem a 1/4333.
Um dos problemas suscitados é o da proletarização. Afinal, apenas 45% exerce a actividade a tempo inteiro. Destes, cerca de 25% integram as 792 sociedades de advogados, usufruindo de estabilidade profissional e de ordenados acima da média. Situação semelhante é a dos cerca de 15% de advogados de empresa, contratados por instituições privadas e públicas. Relativamente a estes dois grupos, discute-se apenas se podem, ou não, evocar o estatuto de profissionais liberais, que é da essência da profissão em prol da independência. Mas, nos tempos que correm, o importante é ter trabalho, mesmo que seja por conta de outrem, e subordinado a interesses concretos.
A proletarização
A maioria, cerca de 60%, dos que exercem a actividade a tempo inteiro, abraça a prática isolada. Aqui, os problemas estão para além da concorrência que afecta, sobretudo, as sociedades - confrontadas estas, sobretudo, com a implantação de firmas internacionais em Portugal.
Os advogados de prática isolada acabam por "empregar" nos seus escritórios a maioria dos colegas que não exerce a actividade a tempo inteiro, entregando-lhes alguns "biscates" para que usufruam de 400 ou 500 euros por mês. O trabalho restringe-se quase só ao apoio judiciário, em defesas oficiosas pagas pelo Estado, para as quais despendeu no ano passado 45 milhões de euros. Em 2004 foram 27 milhões, e 28 milhões em 2003. Para usufruir de um pequeno salário os causídicos têm, muitas vezes, de suportar horas de trabalho infindáveis, que um advogado classificou de "quase mão de obra escrava".
Estado-Providência
A legislação que suporta o apoio judiciário está a ser revista, pretendendo a OA que passe a incluir a consulta jurídica, o que pode significar mais alguns euros em honorários. A lei que regula a acção executiva vai também ser alterada, dando oportunidade aos advogados de exercer a actividade de solicitadores de execução. A Ordem conseguiu ainda fazer aprovar a lei dos actos próprios dos advogados, com fortes penalizações para quem lhes "roubar" trabalho. Há já alguns anos tinha conseguido que algumas actividades dos notários, como a autenticação de documentos, fossem também da competência daqueles profissionais.
Entre os advogados de prática isolada, que lutam pela sobrevivência, e as sociedades em concorrência feroz, e ainda perante os advogados de empresa que exigem ser reconhecidos como os demais, a OA é neste momento uma panela de pressão pronta a explodir. A existência de uma Ordem para cada grupo é uma ideia defendida em vários sectores, sugerindo uma inevitável cisão.
Por Licínio Lima, in DN Online
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