"Aqui há tempos apanhei um táxi para me levar à Ordem dos Engenheiros. O motorista, que já era um senhor de uma certa idade, passou a tratar-me como 'senhor engenheiro'. E eu, que tanto me dá ser engenheiro como outra coisa qualquer, fiquei calado. Ele tinha o rádio ligado e deu uma notícia sobre a Casa Pia. O homem virou-se para mim e disse: 'O senhor engenheiro já viu a porcaria da justiça que temos?' Eu calei-me, claro. Não tinha nada a ver com isso... era engenheiro. Cheguei aos meus colegas e disse: 'O que vale é ser engenheiro porque os juízes estão muito desacreditados.'"
O protagonista do episódio chama-se Fernando Pinto Monteiro e será, a partir do dia 9, o procurador-geral da República (PGR) - indicado pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República. Contou-o em Agosto, em entrevista ao Público, para denunciar a medida do seu desencanto perante o estado actual do regime judiciário. Ao ponto de desabafar: "Só pode ser juiz quem deve e não quem quer."
Mas, se a justiça está mal os culpados "somos todos" - considera. "Se houvesse um tribunal para julgar o mau estado da justiça, deveriam levantar-se os ministros da justiça dos últimos seis ou sete anos para dizer: temos culpa. Depois levantavam-se os magistrados, os advogados, os oficiais de justiça e os cidadãos. Todos temos culpa."
Ao contrário das queixas habituais - normalmente dirigidas para a falta de meios - Pinto Monteiro destaca a "falta de respeito" como o principal cancro da justiça. "Do poder executivo pelo poder judicial, do poder judicial por alguns cidadãos... há uma falta de respeito mútua que gera o desprestígio da justiça."
E também a "falta de humildade". Em seu entender, este é um outro cancro que fere de morte o terceiro poder. "O que acontece hoje é que temos a convicção de uma justiça que está a cima de tudo", disse. E contou:
"Quando eu tinha estagiários dizia-lhes para se levantarem para falar com a mulher da limpeza. Hoje, penso que a maior parte dos juízes nem se levanta perante o Presidente da República...isto não pode ser."
Quando os magistrados avançaram para a greve, em Outubro do ano passado, o futuro PGR foi peremptório: "Os tribunais são órgãos de soberania, e os órgãos de soberania não fazem greve."Quando o Governo alterou o regime das féria judiciais, alertou: "É uma matéria que tem de ser discutida com profundidade. A medida anunciada é pura demagogia."
O juiz-conselheiro - que enquanto presidente do conselho de justiça da Federação Portuguesa de Futebol decidiu em ultima instância a suspensão por um ano do jogador Sá Pinto, por ter agredido o treinador Artur Jorge - nem sequer se inibiu de responsabilizar o executivo de José Sócrates pela má imagem da justiça. Em declarações ao semanário O Diabo, em Agosto, acusou-o de " ter feito muitas coisas" para desconsiderar os magistrados, e, inclusive, de ter ajudado a criar a ideia de que a justiça não presta.
Foi este juiz-conselheiro, destemido perante tudo e todos, que José Sócrates e Cavaco Silva escolheram para assegurar a legalidade e a realização da justiça penal em Portugal. A expectativa é grande.
Na cadeira de Souto Moura, o PGR cessante, vai sentar-se um homem nascido há 64 anos em Porto de Ovelha, Almeida (Guarda), com licenciatura em Direito tirada em Coimbra. Casado, Fernando Pinto Monteiro tem dois filhos já formados - Joana em Direito e Manuel em Economia. A chegada ao Supremo Tribunal de Justiça aconteceu em 1998, depois de passar pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pela Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Por Licínio Lima, in Diário de Notícias
O protagonista do episódio chama-se Fernando Pinto Monteiro e será, a partir do dia 9, o procurador-geral da República (PGR) - indicado pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República. Contou-o em Agosto, em entrevista ao Público, para denunciar a medida do seu desencanto perante o estado actual do regime judiciário. Ao ponto de desabafar: "Só pode ser juiz quem deve e não quem quer."
Mas, se a justiça está mal os culpados "somos todos" - considera. "Se houvesse um tribunal para julgar o mau estado da justiça, deveriam levantar-se os ministros da justiça dos últimos seis ou sete anos para dizer: temos culpa. Depois levantavam-se os magistrados, os advogados, os oficiais de justiça e os cidadãos. Todos temos culpa."
Ao contrário das queixas habituais - normalmente dirigidas para a falta de meios - Pinto Monteiro destaca a "falta de respeito" como o principal cancro da justiça. "Do poder executivo pelo poder judicial, do poder judicial por alguns cidadãos... há uma falta de respeito mútua que gera o desprestígio da justiça."
E também a "falta de humildade". Em seu entender, este é um outro cancro que fere de morte o terceiro poder. "O que acontece hoje é que temos a convicção de uma justiça que está a cima de tudo", disse. E contou:
"Quando eu tinha estagiários dizia-lhes para se levantarem para falar com a mulher da limpeza. Hoje, penso que a maior parte dos juízes nem se levanta perante o Presidente da República...isto não pode ser."
Quando os magistrados avançaram para a greve, em Outubro do ano passado, o futuro PGR foi peremptório: "Os tribunais são órgãos de soberania, e os órgãos de soberania não fazem greve."Quando o Governo alterou o regime das féria judiciais, alertou: "É uma matéria que tem de ser discutida com profundidade. A medida anunciada é pura demagogia."
O juiz-conselheiro - que enquanto presidente do conselho de justiça da Federação Portuguesa de Futebol decidiu em ultima instância a suspensão por um ano do jogador Sá Pinto, por ter agredido o treinador Artur Jorge - nem sequer se inibiu de responsabilizar o executivo de José Sócrates pela má imagem da justiça. Em declarações ao semanário O Diabo, em Agosto, acusou-o de " ter feito muitas coisas" para desconsiderar os magistrados, e, inclusive, de ter ajudado a criar a ideia de que a justiça não presta.
Foi este juiz-conselheiro, destemido perante tudo e todos, que José Sócrates e Cavaco Silva escolheram para assegurar a legalidade e a realização da justiça penal em Portugal. A expectativa é grande.
Na cadeira de Souto Moura, o PGR cessante, vai sentar-se um homem nascido há 64 anos em Porto de Ovelha, Almeida (Guarda), com licenciatura em Direito tirada em Coimbra. Casado, Fernando Pinto Monteiro tem dois filhos já formados - Joana em Direito e Manuel em Economia. A chegada ao Supremo Tribunal de Justiça aconteceu em 1998, depois de passar pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pela Alta Autoridade Contra a Corrupção.
Por Licínio Lima, in Diário de Notícias
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