segunda-feira, setembro 18, 2006

Só 53% dos casos de violência nos casais acabam em condenação


Os processos judiciais por crimes de maus-tratos entre marido e mulher atingiram, em 2004, a marca de 53% de condenações. De acordo com dados provisórios do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça, divulgados há cerca de um mês, a percentagem de casos em que é feita prova concludente não tem sofrido variações de ano para ano. Uma realidade que desagrada a quem trabalha diariamente no sector e desencoraja as vítimas da denúncia.

"A vítima sente-se contristada com esses números. Significa que em Portugal não se está a fazer o trabalho necessário. Alguma coisa falha, do sector político ao tribunal. Falha a sociedade", argumenta ao JN o psicólogo criminal Carlos Poiares.

O professor das universidades Nova e Lusófona salienta a dificuldade em reunir provas daquele tipo de crimes, cometidos "em família, por vezes sem testemunhas". E sublinha que também o longo período que decorre entre os factos e o julgamento pode contribuir para reduzir as hipóteses de descoberta da verdade.

"Por vezes, a prova evapora-se entre a denúncia e o julgamento. As testemunhas, se existirem, arrependem-se e preferem não meter a colher entre marido e mulher", acrescenta, criticando a predisposição dos tribunais para julgar os casos de violência doméstica.

"Há nove anos, que é quase como se tivesse sido ontem, assisti a um julgamento em que os juízes estavam mais preocupados quanto aos estragos numa televisão do que com a violência física. No final, o agressor até era um bom marido...", conta Poiares, defendendo que o problema da violência doméstica só pode ser combatido através da mudança de mentalidades. Não só social, mas também ao nível das próprias magistraturas.

A sinalizar preocupação com o fenómeno, a Unidade de Missão para a Reforma Penal autonomizou, nas alterações ao Código Penal, o crime de "violência doméstica", incluindo não só casos de marido e mulher mas também os maus-tratos de pais para filhos ou avós.

Confrontado com os números das condenações, Rui Pereira, coordenador da unidade de reforma, diz que "não causam espanto". Resultam das vicissitudes do sistema judicial, uma vez que as condenações prevêem certeza e "afastamento de qualquer dúvida razoável".

O jurista dá, até, como exemplo os dados relativos à actividade do Ministério Público. Segundo o relatório esta semana divulgado, menos de 20% dos inquéritos terminam com despacho de acusação.

"Nos casos de violência doméstica, estamos a falar de crimes em que, apesar de públicos, pode haver suspensão provisória no interesse da própria vítima. E também de crimes sobre os quais há dificuldade de obtenção de prova. Tudo acontece dentro de quatro paredes e a prova indirecta muitas vezes indica que a vítima foi agredida mas não aponta o agressor", justifica Rui Pereira ao JN.

Por Nuno Miguel Maia, in JN Online

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