sábado, julho 08, 2006

Ópera no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria


Reclusos do estabelecimento prisional de Leiria deram ontem corpo à ópera de Mozart «Don Giovanni». O objectivo foi mudar comportamentos e, através da música, incutir disciplina, rigor e responsabilidade. Os reclusos ouviram-se em uníssono: “Foi espectacular”.

Um espectáculo de ópera feito por reclusos de Leiria para a comunidade prisional foi ontem o ponto alto de dois anos de trabalho pedagógico para mudar comportamentos através da música.

O piso mais baixo funcionou como palco de dança e fosso de orquestra, o coro a meio e o público em cima compuseram o cenário de um espectáculo único em Portugal, que inclui 18 reclusos, muitos deles jovens condenados por crimes associados ao tráfico de droga, a cantar a ópera “Don Giovanni”, de Mozart. “Gostei imenso. Nunca tinha ligado à ópera mas isto é muito giro. Estamos todos satisfeitos”, afirmou Carlos Fonseca, um dos reclusos envolvidos no projecto. Agora, os reclusos querem “actuar noutras prisões” ou para outros públicos, como confessou Jorge Guedes, de 29 anos, que considerou a “ideia espectacular” apesar dos receios iniciais dos reclusos.

No entanto, o director do projecto e da Escola de Música SAMP, Paulo Lameiro, considerou que “o objectivo dos reclusos já foi cumprido” porque “eles viajaram no tempo e viveram um conjunto de emoções” que “não os vão deixar indiferentes no futuro”. “A ópera é tão radical quanto o house ou o techno foram para os nossos avós mas por ser radical acaba por ser uma linguagem com a qual eles podem dialogar”, resumiu Paulo Lameiro, director da Escola de Música SAMP, que coordenada o projecto.

O projecto tem também “objectivos terapêuticos”, procurando impor disciplina, rigor e responsabilidade nos cantores, uma solução que visa “alternativas pedagógicas” de ensino para os reclusos, muitos deles jovens que podem ser reintegrados com sucesso na sociedade.

Os cantores foram sujeitos a inquéritos psicológicos que serão repetidos após o espectáculo para avaliar se “há alterações de atitude” associadas ao espectáculo. Por outro lado, a história de Don Giovanni, o herói suspeito de ter seduzido uma donzela, foi também estudada pelos reclusos no que respeita à moralidade da história.Ao longo do ano, os cantores aprenderam italiano a fazer exercícios vocais, questões que “ninguém julgava possível no início” do projecto.

O espectáculo contou com o barítono Luís Rodrigues, que actuou pela primeira vez para um público deste tipo. A voz forte e intensa do cantor arrancou aplausos e cumprimentos entre os reclusos, até porque o ambiente fechado da prisão propagou ainda mais o som.Segundo disse o cantor, foi “uma experiência diferente”, mas não se sentiu um “estranho” para aquela população, que na sua opinião, “aderiu bastante” ao projecto.

Além da ópera, foi encenado um pequeno bailado com os professores dos reclusos que também se envolveram no projecto, coordenados pela coreógrafa Clara Leão.

De início, “achei que a ideia era interessante mas não era possível”, recorda uma das professoras, que agora vê o empenho dos reclusos como um “sucesso absoluto” do projecto.

Celebração dos 50 anos

A iniciativa está inserida nos 50 anos do edifício onde está instalado Estabelecimento Prisional Regional de Leiria, cujas celebrações incluem ainda uma exposição fotográfica e um convívio entre convidados, funcionários e reclusos.

O director do estabelecimento, João Pessoa, mostrou-se também muito agradado com os resultados do projecto, que foi apoiado pela Direcção-geral dos Serviços Prisionais. Os problemas de espaço, a sobrelotação e a censura social foram alguns dos problemas que os organizadores tiveram de ultrapassar, afirmou João Pessoa, que espera repetir a iniciativa, embora com menor tempo de duração nos preparativos.

O facto da maior parte da população prisional do estabelecimento serem reclusos em prisão preventiva ou à espera e transferências para outras cadeias dificulta a realização de um trabalho prévio mais longo, explicou.

Fonte: Paulo Jorge Agostinho (Agência Lusa) - via O Primeiro de Janeiro

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