Num seminário promovido pelo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJCC), no âmbito de um curso para inspectores-chefes, Cândida Almeida defendeu que a lei, pura e simplesmente, deveria proibir a aceitação de presentes por parte do funcionário público (director-geral, governante, autarca, etc). "Porque pode haver corrupção sem a contrapartida imediata. Mas criam-se condições para uma num futuro próximo", disse a procuradora.
Falando, sem especificar, num caso concreto em investigação no DCIAP em que foi oferecida uma viagem à volta do mundo e um mês de férias na Quinta do Lago para o decisor e família, Cândida Almeida classificou este modus operandi como de "tipo mafioso". "O corrupto vai oferecendo e a qualquer momento tem a retribuição", disse.
A directora do DCIAP criticou ainda o facto de a actual Lei de Protecção de Testemunhas não poder ser aplicada aos casos de corrupção, uma vez que apenas prevê medidas de protecção mais fortes para os crimes de terrorismo, associação criminosa e tráfico de seres humanos. "Se tivermos um político corruptíssimo e uma testemunha que pode falar esta normamente diz 'eu não faço isso, nunca mais sou ninguém nem faço mais negócios'", referiu.
"É preciso que o poder político se defina e assuma o compromisso de luta contra a corrupção", exortou. O primeiro passo, segundo a magistrada, passa por "acabar com a exigência da contrapartida e com a diferença entre acto lícito e ilícito".
Entendimento diferente foi manifestado pela juíza Fátima Mata-Mouros, que durante seis anos exerceu funções de juíza de instrução criminal. Para esta magistrada a ampliação "do campo de actuação punível" (isto é, retirar a exigência da contrapartida da lei) em nada fará "diminuir os comportamentos". Fátima Mata-Mourous recorreu, aliás, a uma alegoria do pescador que quer "pescar todo o mar que tem pela frente". Quando puxa as redes, acaba por verificar que "o peixe é tão insignificante".
Fátima Mata-Mouros acabou ainda por confessar que, enquanto juiz de instrução, foi uma "entusiasta dos megaprocessos no crime económico". Mas, "a verdade é esta: não temos processo penal para os megaprocessos. Não há estruturas de julgamento para isto", referiu. A juíza disse ainda que "com o Código do Processo Penal que temos, os megaprocessos estão condenados ao fracasso ou à injustiça". Quanto à corrupção, recorreu ao Livro do Antigo Testamento: "Os presentes corrompem."
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