Os juízes que fizeram parte da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol, em 2003, receberam dinheiro relativo a senhas de presença, situação que, de acordo com o Conselho Superior da Magistratura (CSM), viola o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
O desembargador Gomes da Silva, que na altura presidia à CD da Liga, recebeu 12 029 euros; 8679 diziam respeito a senhas de presença e 3350 a ajudas de custo. O desembargador Alberto Gonçalves Mendes e os juízes de Direito Pedro Mourão (2543 euros), Frederico Cebola (2843 euros) e Calvário Antunes (1346 euros) também foram remunerados pelas funções que exerceram na CD da Liga.
E, na sexta-feira, Valentim Loureiro, presidente da Liga, confirmou que, entre 2002 e 2006, um dos ex-juízes da CD da Liga, Pedro Mourão, recebeu 4788 euros em senhas de presença, 1526 euros em quilómetros, 308 euros relativos a despesas de táxi e 3662 em bilhetes de avião (o juiz reside em Lisboa e a sede da Liga é no Porto).
Quando soube da situação, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) instaurou processos disciplinares aos juízes em questão e, depois de ter confirmado que receberam verbas relativas a senhas de presença, puniu-os com a pena de advertência não registada. Gomes da Silva, Gonçalves Mendes, Frederico Cebola, Pedro Mourão e Calvário Antunes recorreram para o Supremo (onde o processo ainda se encontra), tendo todos apresentado, como o CM noticiou (edição do dia 23) um parecer do constitucionalista Gomes Canotilho, o qual considera que o recebimento de senhas de presença por parte de magistrados judiciais em órgãos jurisdicionais do futebol não é ilegal, ao contrário do que defende o CSM.
O órgão de disciplina e gestão dos magistrados judiciais entende que o recebimento de senhas de presença viola o estatuto dos juízes, que estão impedidos de auferir remunerações pelo exercício de qualquer actividade extrajudicial, a não ser direitos de autor.
Gomes Canotilho, no entanto, escreveu que, pela sua “índole esporádica”, o pagamento de senhas de presença “não pode converter-se em factor susceptível de proporcionar uma actuação dos juízes com violação dos imperativos de imparcialidade e independência”.
SENHAS DE PRESENÇA PAGAS EM 2003 (aos juízes da Comissão Diciplinar da Liga)
Gomes da Silva - 8.679 euros
Frederico Cebola - 2.843 euros
Pedro Mourão - 2.543 euros
Gonçalves Mendes - 2.543 euros
Calvário Antunes - 1.346 euros
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS
Artigo 13.º (Incompatibilidades): “Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem em situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial.”
A parte da norma citada na edição de hoje do jornal Correio da Manhã corresponde apenas ao nº 1 da disposição estatutária.
Contudo, em 21 de Março de 1995, o Conselho Superior da Magistratura deliberou (Acta n.º 15/95) sobre o exercício de funções estranhas à magistratura por parte de magistrados judiciais, designadamente, "ser desaconselhável que magistrados judiciais no activo ou com o estatuto de Jubilação, exerçam actividades não remuneradas estranhas à função jurisdicional, quando tais funções, pela sua natureza e segundo as regras da experiência, sejam susceptíveis de vir a repercutir-se na sua vida pública e revelar-se como incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, que importa preservar".
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O juiz desembargador Adriano Afonso presidiu à Assembleia Geral da Liga desde a sua fundação (1978), cargo de que se demitiu há pouco mais de uma semana. “Durante cerca de 28 anos nunca recebi um tostão. Sabia muito bem que estava proibido de o fazer, no caso das senhas de presença. Mas posso dizer que fui um anjinho por nunca ter metido as ajudas de custo. Nunca quis preencher a papelada.”
Apesar de ter saído da Liga sem “nunca ter recebido um tostão”, pelas “inúmeras vezes” que teve de ir de Lisboa ao Porto, Adriano Afonso considera que o Conselho Superior da Magistratura não devia ter avançado com punições para os juízes que receberam senhas de presença: “Foram injustos. Os juízes trabalharam muito na Liga e deviam ser remunerados. Seria natural que o fossem, apesar de o Estatuto o proibir. Afinal, os juízes não são uma instituição de caridade.”
PEDRO MOURÃO TRANQUILO
O juiz Pedro Mourão confirmou ao CM que recebeu dinheiro da Liga, mas assegurou que os 2543 euros que lhe foram pagos diziam respeito às despesas que efectuou para assistir às reuniões da Comissão Disciplinar. “Não fiz uma contabilidade do que recebi. No entanto, todas as verbas tinham a ver com as minhas despesas. Estou tranquilo, dado que tudo o que recebi foi declarado para efeitos fiscais, nomeadamente de IRS. Não recebemos um tostão para além daquilo que era devido, a título de despesas.”
E acrescentou: “Posso esclarecer, também, que não tivemos gratificações ou um tostão que fosse que não dissesse respeito às nossas despesas. Repito, todos os montantes que recebemos tinham a ver com o dinheiro que gastámos nas deslocações que fizemos até à sede da Liga, no Porto.”
SEM SENHAS DE PRESENÇA ATÉ 2002
O pagamento de senhas de presença a juízes da Liga Portuguesa de Futebol Profissional começou a ser feito em Junho/Julho de 2002, por sugestão de Gomes da Silva e Pedro Mourão, logo numa das primeiras reuniões em que participaram como membros da Comissão de Disciplina. Até esse ano, a Liga “nunca tinha pago senhas de presença”, assegurou ao CM o ex-director executivo da Liga, Guilherme Aguiar.
“Os magistrados judiciais que exerceram funções na Comissão Disciplinar da Liga até 2002 apenas recebiam o dinheiro que gastavam em portagens e em refeições. Mas tinham de apresentar facturas.”
E acrescentou: “Lembro ainda, que, também até Junho/Julho de 2002, que foi quando eu deixei de ser director executivo da Liga, os juízes da Comissão Arbitral nunca receberam um tostão. E tivemos juízes que tinham de deslocar-se de Lisboa e de Setúbal até ao Porto. Nunca quiseram receber os quilómetros a que tinham direito.”
Guilherme Aguiar frisou, ainda, que, enquanto esteve na Liga, de 1989 a 2002, os juízes “sabiam muito bem que não podiam receber senhas de presença”. “E, por isso, nunca as pediram. E não era por falta de dinheiro, dado que, no meu tempo, a Liga chegava ao final do ano com 50 mil contos de lucro”, concluiu.
À MARGEM
GOMES DA SILVA
O CM tentou obter uma reacção do juiz que mais dinheiro recebeu por ter exercido funções na Comissão Disciplinar da Liga. O desembargador Gomes da Silva, no entanto, nunca atendeu o seu habitual telemóvel.
32 500 EUROS
A Liga pagou 32 500 euros ao escritório de advogados Vaz Serra e Moura, de Lisboa, para fazer um recurso para o Supremo das punições impostas pelo Conselho Superior da Magistratura aos juízes que receberam senhas de presença. É nesse recurso que consta um parecer do constitucionalista Gomes Canotilho, no qual considera legal o recebimento de senhas de presença por parte dos magistrados judicais que exerçam funções nos órgãos jurisdicionais do futebol.
PROCESSOS
Em Novembro/Dezembro de 2004, segundo soube o CM, a Liga deixou de pagar senhas de presença, devido ao facto de o Conselho Superior da Magistratura ter instaurado processos aos elementos da Comissão de Disciplina.
NOTAS
28 ANOS DE LIGA
A Liga Portuguesa de Futebol Profissional, como associação de âmbito exclusivamente patronal, foi fundada a 3 de Fevereiro de 1978.
VALENTIM LOUREIRO
A Liga esteve praticamente inactiva durante onze anos, até que Valentim Loureiro foi eleito presidente, no dia 10 de Fevereiro de 1989.
PINTO DA COSTA
A Liga começou a organizar os campeonatos profissionais de futebol em 1995/96, na altura em que era presidida por Pinto da Costa.
PROJECTO DE LEI DO PSD
O PSD está a elaborar um projecto de lei que prevê a impossibilidade de os magistrados judiciais exercerem funções na disciplina da Liga.
HERMÍNIO LOUREIRO
O deputado do PSD Hermínio Loureiro assume amanhã a presidência da Liga, sucedendo a Valentim Loureiro.
Por Octávio Lopes, in Correio da Manhã
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