sábado, novembro 18, 2006

Procurador especial


Por Eduardo Dâmaso
(Editorial Diário de Notícias)

"A proposta do PS, acompanhada parcialmente pelo PSD, para criar comissões de inquérito presididas por um procurador especial, para lá de inconstitucional, porque colide com o princípio da separação de poderes, é completamente absurda. Falta-lhe bom senso e exprime uma concepção estranhamente in- quisitiva do poder político.

A proposta defende que nos casos em que uma comissão de inquérito conclua pela existência de indícios de crime o Parlamento poderá nomear um procurador especial para avançar com a investigação criminal. Ora, esta mistura entre poder político e poder judicial não existe desde os tempos dos tribunais plenários do Estado Novo, é própria das ditaduras e não das democracias e torna facilmente instrumentalizável pelo poder político uma terrível arma que pode usar o processo penal para fins estritamente políticos, ou seja, para perseguir A ou B consoante as conveniências circunstanciais de cada maioria.

Basta pensar na forma irresponsável como os partidos de poder dos últimos vinte anos utilizaram a figura da comissão de inquérito para recusar esta proposta. As comissões de inquérito foram esvaziadas de importância porque há muito passaram a ser comandadas pelos estados-maiores partidários e não pelos factos e a sua demonstração. Há muito passaram a ser instrumentos de branqueamento político e não de apuramento da verdade. As testemunhas incómodas para quem inquire são dispensadas ou desacreditadas, o contraditório é escasso ou inexistente, as conclusões são manipuladas a bel-prazer.

Por outro lado, a inspiração no modelo norte-americano, há que dizê-lo, é completamente tonta. Nos EUA, o procurador-geral não é independente e está estritamente vinculado à Administração, que faz com que o recurso a procuradores especiais ocorra quando está em causa a legalidade do comportamento de um membro da Administração ou de uma Administração inteira. Mas, como se viu no caso da "investigação" de Ken- neth Starr sobre a vida sexual de Clinton, é muito fácil que os ditos procuradores sirvam de cães de caça em função de conveniências políticas, como foi o caso.

Em Portugal, basta que o PS se empenhe no bom funcionamento do sistema judicial e que as magistraturas sejam capazes de se despir de corporativismos, se modernizem e acabem, de uma vez por todas, com excessos de convivências com os diversos poderes, políticos, maçónicos ou da Obra de Deus e de Monsenhor Escrivá, para que tudo seja mais limpo, transparente e eficaz."

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