São cerca de 200 mil processos que vão directamente para o arquivo e muitos milhões de euros que o Estado vai deixar de arrecadar. Quem, até finais de Outubro, tiver usado transportes públicos ou passado por portagens sem pagar não vai ter de desembolsar um cêntimo - tais actos deixaram de ser crime ao abrigo da nova legislação. Foi como se de uma amnistia se tratasse.
O Ministério da Justiça recusa-se a utilizar a palavra "amnistia", mas o efeito é o mesmo. A nova legislação converteu tais transgressões em contra-ordenações, puníveis agora com coima por uma entidade administrativa. Os magistrados consideram que o legislador quis despenalizar esses ilícitos e, ao abrigo da aplicação da lei mais favorável - que impõe a Constituição -, estão a dar como extinto o procedimento criminal contra as pessoas autuadas antes daquela data.
Contactado o Ministério da Justiça para esclarecer este assunto, foi explicado ao DN que "as leis aprovadas pela Assembleia da República não introduzem qualquer amnistia às infracções cometidas em data anterior à sua entrada em vigor". Acrescenta-se que tais leis "consagram um regime transitório que asseguram a punição dos infractores por factos ocorridos antes da sua entrada em vigor".
Porém, não é este o entendimento aplicado nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, onde cerca de 110 mil processos, a maioria ainda por autuar, aguardam arquivamento. Numa das sentenças a que o DN teve acesso, o magistrado judicial do 2.º juízo, 2.ª secção, considera os novos diplomas descriminalizadores ou despenalizadores, "porquanto deixaram tais factos de merecer tratamento criminal". Neste sentido, defende: "Todos os factos praticados durante a sua vigência deixaram de ser puníveis penalmente por força da imposição da aplicação retroactiva da nova lei despenalizadora."
E conclui: "Se ainda não se iniciou o procedimento criminal, jamais se poderá iniciar; e se já está em curso, extinguir-se-á ao vigorar a lei nova." Mais: "Mesmo que já tenha ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória, cessam a execução e os seus efeitos penais." Ou seja, se houvesse alguém preso pela prática de uma daquelas transgressões teria de sair imediatamente da cadeia com a entrada em vigor dos novos diplomas.
Uma pergunta
No entanto, o próprio juiz questiona: "Os factos, não podendo ser punidos criminalmente, poderão sê-lo contra-ordenacionalmente?".
"Estamos seguros de que a resposta terá de ser negativa", diz. E explica: "Em primeiro lugar, porque não estamos perante normas jurídicas de idêntica natureza que possam suceder-se no tempo." Em segundo lugar, porque as novas leis impõem contra-ordenações mas também descriminalizam, o que significa que actos passados, deixando de ser alvo de pena, não poderão ser retroactivamente sancionados com coimas.
A solução, no entanto, poderia ser ao contrário. Mas para isso - explica ainda o juiz - o legislador deveria ter introduzido, nas novas leis, uma norma transitória de "natureza substantiva". Esta teria de estabelecer que é possível punir como contra-ordenação os factos praticados na vigência da lei penal. E, mesmo assim, essa norma só se aplicaria no caso de ser mais leve a punição contra-ordenacional. Ora, a tal norma de natureza substantiva não consta nos novos diplomas. Assim, as novas leis, na prática, amnistiam os mais de 200 mil casos de transgressões que se amontoam nos tribunais.
O DN sabe que este é também o entendimento jurídico do Ministério Público. Pelo que nenhuma decisão que siga esta jurisprudência vai ser alvo de recurso.
Por Licínio Lima, in DN Online.
O Ministério da Justiça recusa-se a utilizar a palavra "amnistia", mas o efeito é o mesmo. A nova legislação converteu tais transgressões em contra-ordenações, puníveis agora com coima por uma entidade administrativa. Os magistrados consideram que o legislador quis despenalizar esses ilícitos e, ao abrigo da aplicação da lei mais favorável - que impõe a Constituição -, estão a dar como extinto o procedimento criminal contra as pessoas autuadas antes daquela data.
Contactado o Ministério da Justiça para esclarecer este assunto, foi explicado ao DN que "as leis aprovadas pela Assembleia da República não introduzem qualquer amnistia às infracções cometidas em data anterior à sua entrada em vigor". Acrescenta-se que tais leis "consagram um regime transitório que asseguram a punição dos infractores por factos ocorridos antes da sua entrada em vigor".
Porém, não é este o entendimento aplicado nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, onde cerca de 110 mil processos, a maioria ainda por autuar, aguardam arquivamento. Numa das sentenças a que o DN teve acesso, o magistrado judicial do 2.º juízo, 2.ª secção, considera os novos diplomas descriminalizadores ou despenalizadores, "porquanto deixaram tais factos de merecer tratamento criminal". Neste sentido, defende: "Todos os factos praticados durante a sua vigência deixaram de ser puníveis penalmente por força da imposição da aplicação retroactiva da nova lei despenalizadora."
E conclui: "Se ainda não se iniciou o procedimento criminal, jamais se poderá iniciar; e se já está em curso, extinguir-se-á ao vigorar a lei nova." Mais: "Mesmo que já tenha ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória, cessam a execução e os seus efeitos penais." Ou seja, se houvesse alguém preso pela prática de uma daquelas transgressões teria de sair imediatamente da cadeia com a entrada em vigor dos novos diplomas.
Uma pergunta
No entanto, o próprio juiz questiona: "Os factos, não podendo ser punidos criminalmente, poderão sê-lo contra-ordenacionalmente?".
"Estamos seguros de que a resposta terá de ser negativa", diz. E explica: "Em primeiro lugar, porque não estamos perante normas jurídicas de idêntica natureza que possam suceder-se no tempo." Em segundo lugar, porque as novas leis impõem contra-ordenações mas também descriminalizam, o que significa que actos passados, deixando de ser alvo de pena, não poderão ser retroactivamente sancionados com coimas.
A solução, no entanto, poderia ser ao contrário. Mas para isso - explica ainda o juiz - o legislador deveria ter introduzido, nas novas leis, uma norma transitória de "natureza substantiva". Esta teria de estabelecer que é possível punir como contra-ordenação os factos praticados na vigência da lei penal. E, mesmo assim, essa norma só se aplicaria no caso de ser mais leve a punição contra-ordenacional. Ora, a tal norma de natureza substantiva não consta nos novos diplomas. Assim, as novas leis, na prática, amnistiam os mais de 200 mil casos de transgressões que se amontoam nos tribunais.
O DN sabe que este é também o entendimento jurídico do Ministério Público. Pelo que nenhuma decisão que siga esta jurisprudência vai ser alvo de recurso.
Por Licínio Lima, in DN Online.
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