domingo, novembro 26, 2006

Oportunismos


Por Eduardo Dâmaso
(Editorial Diário de Notícias)

"O actual debate sobre o combate à corrupção, com o PSD a acusar o PS de falta de vontade política, é um retrato acabado do oportunismo político que tem historicamente marcado a discussão de um tema decisivo para a democracia. Quando o PS governa o PSD acusa-o de falta de vontade política e o mesmo acontece quando os sociais-democratas estão no poder. Não se vai para lá disto, pois ambos preferem "esquecer" que o "pântano", um Estado que foi crescendo de forma exorbitante e clientelar, foi construído pelos dois partidos.

Os sucessivos governos desde a década de oitenta preferiram deixar instalar a lógica implacável do favor e do clientelismo a atacar um problema que inevitavelmente chegaria à superfície, contaminando as contas públicas, a concorrência empresarial, o sentimento de equidade entre portugueses face ao Estado, pulverizando a justiça e o próprio sistema político.

É no crescimento descontrolado do Estado que se criam as oportunidades de fazer dinheiro negro. Teria sido aí que boas políticas traduzidas em leis claras e exequíveis evitariam a proliferação de oportunidades de corrupção. É na manipulação desse mesmo Estado por grupos de interesses instalados no poder que está a concretização da corrupção. É depois, no estrangulamento das instâncias de fiscalização administrativa e dos mecanismos judiciais necessários (Polícia Judiciária e Ministério Público), que se garante a impunidade. A trilogia é perfeita e representa uma das realidades mais enraizadas na vida política, económica e social do País.

O dilema que se coloca hoje a um país que queira ter algum futuro é, pois, também integrado pela questão de querer ou não enfrentar o problema da corrupção. E isso interpela tanto um Governo como o maior partido da oposição, quer por força das suas responsabilidades no dito "pântano" quer pelo acordo para a justiça que negociou com o PS e onde aparentemente não colocou estas matérias em cima da mesa.

Aproveitar o combate à corrupção para o mero sound bite é que já não dá. Até porque para o habitual registo de hipocrisia já chega a treta da purga pontual, dada por um caso judicial ou outro, sempre de destino final incerto, que vários governos têm instrumentalizado para anunciar a alvorada de uma nova época em matéria de perseguição aos tais "poderosos". A alvorada nunca aconteceu e os galos do PS e do PSD só cantam mesmo quando lhes convém."

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