quinta-feira, outubro 05, 2006

Novas rotas de imigração modificam criminalidade


O número de reclusos estrangeiros em Portugal duplicou em dez anos, tendo-se alterado alguns países de origem dominantes e crimes cometidos. À procura de explicações para os números, Maria João Guia partiu para uma investigação quase concluída, que constata haver vulnerabilidades jurídicas dos imigrantes que os empurram para a prisão preventiva, transposição de crimes associados à cultura dos países de origem e falta de políticas de reintegração de ex-reclusos, com elevadas taxas de reincidência.

O estudo foi um de quatro apresentados, ontem, num workshop intitulado "Uma população perigosa? Factos e rumores sobre a delinquência dos imigrantes", no âmbito da conferência internacional Metropolis, que decorre até amanhã em Lisboa. Suportadas em números, as intervenções procuraram contextualizar os números absolutos de criminalidade associada a imigrantes, sem temer a sensibilidade do tema. Até porque, salientou o holandês Rob Bijl, "conhecer a realidade ajuda a prevenir e dá sinais claros de quando um imigrante não se sente em casa".

Para Maria João Guia, as condições sociais de exclusão são um factor de peso a considerar, até porque se notam diferenças por nacionalidades, consoante as redes de apoio. A investigadora da Universidade de Coimbra considera, ainda assim, que novas vagas de imigrantes trouxeram novas tipologias de crime. Analisando o universo de reclusos estrangeiros, identificou quatro tipologias (...).

Por nacionalidades, entre 2002 e 2005 o Brasil ascendeu ao quarto lugar com mais cidadãos detidos, mantendo-se nos três primeiros Cabo Verde, Angola e Guiné-Bissau. Ucrânia, Roménia e Rússia também subiram. Contudo, Maria João Guia alerta para a confusão entre imigrante e estrangeiro. Os dados da Direcção-Geral de Recursos Prisionais sugerem que, dos 18,5% de estrangeiros detidos em 2005, só 9,5% são residentes. Recorrendo a dados já publicados em 2004, Hugo Seabra e Tiago Santos mostraram que a maior percentagem de estrangeiros detidos resulta da soma de três factores tipo de crimes cometidos (puníveis com penas elevadas, com tráfico de droga à cabeça), algum prejuízo do sistema judicial (particularmente para indocumentados) e baixa qualidade dos defensores oficiosos.

Rob Bijl, que tem o "privilégio" de uma leitura suportada em dados estatísticos detalhados, salientou uma conclusão que será comum a outros países europeus o peso da segunda geração na faixa de suspeitos de crimes com entre 18 e 25 anos. Com um detalhe ainda mais fino: esse peso diminui quando um dos pais é de origem holandesa, o que sugere a importância de mecanismos de pertença ao país.

Racismo silenciado

Os crimes de motivação racista são minimizados social e politicamente em Portugal, como na generalidade dos países do Sul da Europa. O alerta foi ontem lançado por Joanna Goody, do Centro Europeu de Monitorização do Racismo e Xenofobia, uma agência da Comissão Europeia sedeada em Viena.

Mostrando dados comparativos de queixas de incidentes racistas ou religiosos registadas entre meados de 2004 e 2005 nos Estados-Membros, a investigadora apontou o Reino Unido (líder em queixas, com 57902) e a Holanda como os países com melhores sistemas de informação. Portugal figura entre os de "informação limitada", sem estatísticas.

"Os dados revelam que este não é um tema importante e as pessoas não se queixam", lamenta Joanna Goody, que critica ainda a ausência do tema da agenda política, focalizada apenas nos problemas decorrentes da imigração. À procura de dados fiáveis, em Outubro arranca o trabalho de campo de um projecto-piloto sobre vítimas de racismo, cujos resultados serão conhecidos no início do Verão de 2007.

Por Inês Cardoso, in JN Online

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