sexta-feira, junho 02, 2006

Advogado condenado por ter criticado "postura obscena e desleal" de juiz


O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) confirmou, no passado mês de Março, a condenação a um advogado de Loures por um crime de difamação agravada, por este, num recurso a uma sentença, ter utilizado expressões como "deslealdade" e "quase obscenidade". Os juízes desembargadores consideraram que tais qualificativos eram susceptíveis de ofender a honra do juiz autor da peça (que aliás foi quem motivou todo o processo).

O caso teve início num processo na comarca de Loures em que o cliente do advogado foi condenado. No recurso, o causídico produziu as seguintes afirmações sobre a decisão: "Foi o coroar de um extenso rol de arbitrariedades e incorrecções técnicas, com denegação gritante dos direitos de defesa do arguido (...) Deixa-se a apreciação da deslealdade e quase obscenidade desta postura para quem de Direito(...) tanto mais arbitraria e iníqua a sentença".

Um dos juízes queixou-se e, no mesmo Tribunal de Loures, o causídico foi condenado pelo crime de difamação agravada a 120 dias de multa à taxa diária de 50 euros. "Ao proferir tais afirmações, sabia o arguido que estava a ofender a honra e consideração pessoal e profissional do denunciante [juiz]", disse a decisão condenatória.

No recurso para o TRL, o advogado afirmou que não agiu nem ficou provado no julgamento em Loures que tivesse existido "vontade de atingir a honra e consideração pessoal e profissional do magistrado". Acrescentando: "No exercício das suas funções, o advogado está legitimado - e pode e deve, se a defesa da causa o exigir em sua consciência - usar expressões e palavras que, usadas por outros cidadãos, seriam crime de injúrias e difamação".

No mesmo recurso, é dito que as referências feitas à "postura" não podem ser entendidas relativamente "à conduta, ao perfil, às qualidades éticas e morais" do juiz denunciante, "mas sim e só como sinónimo de actuação processual, de concreta intervenção judicial, de escolha e de opções técnicas no acto de interpretar, decidir e fixar os factos e o direito em sede de sentença".

Esta argumentação não convenceu os juízes desembargadores Fernando Estrela, Cid Geraldo e Trigo Mesquita da 9.ª secção do TRL. Os magistrados ainda consideraram que a frase "o coroar de um extenso rol de arbitrariedades e incorrecções técnicas, com denegação gritante dos direitos de defesa" está fora do "âmbito das agressões à honra". Mas o mesmo entendimento não prevaleceu para a expressão "postura desleal e quase obscena" que os juízes rejeitaram que dissesse respeito ao conteúdo da decisão. "Muito para alem de uma crítica dirigida ao resultado de uma concreta intervenção judicial ou de denúncia de um hipotético erro judiciário, trata-se já aqui de um desonroso juízo sobre o carácter e o modo-de-ser do visado [juiz]", declararam os desembargadores.

Em declarações ao DN, Rogério Alves, bastonário da Ordem dos Advogados, não quis pronunciar-se sobre este caso concreto. Ainda assim, admitiu que os processos de juízes contra advogados "é uma tendência que tende a agravar-se". Sobre a questão da liberdade de expressão dos advogados em tribunal, o bastonário declarou que a lei "concede determinadas imunidades para que o advogado possa defender sem constrangimentos os interesses que lhe estão confiados".

Rogério Alves disse ainda que, enquanto defensor de um cidadão, o advogado "por vezes tem que dizer coisas desagradáveis", mas a lei permite-lhe dizê-las. Quanto aos limites para esta liberdade, o bastonário diz que o "bom senso" pode ser o melhor indicador.

Por Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias

Sem comentários: