segunda-feira, junho 19, 2006

PGR não sabe em quantos processos há escutas


O Ministério Público não sabe em concreto em quantos processos é que requereu a um juiz a realização de escutas telefónicas. Em Fevereiro deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou para o Ministério da Justiça um levantamento dos processos durante o ano de 2005, mas logo no início do documento salienta a "ausência de registos específicos" sobre a matéria. Esta falha foi colmatada com os procuradores a "pescar à linha" nos vários inquéritos, mas os dados não coincidem com os da Polícia Judiciária (PJ).

A própria PGR declara, no documento a que o DN teve acesso, "que uma informação objectiva acerca dos inquéritos em cujo âmbito ocorreram escutas telefónicas passará, necessariamente, pelo esclarecimento da diferença dos números fornecidos pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária". É que, apesar de a diferença ser de apenas 36 inquéritos (a PGR declarou 783, enquanto a Judiciária 747), a Procuradoria diz que "tal tarefa afigura-se, para além de morosa, de difícil concretização". Isto por "os diversos serviços do Ministério Público não disporem de registos específicos". Sendo assim, o esclarecimento deste desfasamento passaria por "uma pesquisa casuística e material" feita pelos procuradores.

Falta de critério uniforme

O levantamento feito pela PGR e pela PJ não obedeceu a um critério uniforme, o que poderá ter contribuído para a diferença nos números. A PJ recolheu dados entre 12 de Março e 13 de Dezembro de 2005, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) entre 12 de Março e 31 de Dezembro de 2005, as procuradorias distritais de Lisboa e Porto abarcaram a totalidade do ano de 2005. Nas procuradorias distritais de Évora e Coimbra, os dados recolhidos dizem respeito ao período entre 12 de Março e Dezembro de 2005.

A falta de um critério claro levou a que algumas procuradorias distritais tivessem que corrigir as informações veiculadas numa primeira fase. Como foi o caso da PGD de Évora, que, inicialmente, comunicou a existência de 190 processos com escutas, sendo que a informação foi posteriormente corrigida para 141.

Instada pelo DN a esclarecer a falta de um registo sobre o número de escutas telefónicas, a PGR, através do gabinete de imprensa, declarou que "o sistema informático utilizado nos serviços do Ministério Público não comporta pesquisas do número de promoções de escutas telefónicas e consequentemente acerca do teor das decisões judiciais que sobre elas recaiam". Mesmo sem este instrumento (que proporcionaria uma avaliação mais fidedigna) a Procuradoria comunicou a Alberto Costa que a taxa de autorizações dos juízes a promoções do MP cifra-se nos 98%.

Os processos de tráfico de droga absorvem mais de metade das promoções do MP (64,29%), seguindo-se os inquéritos de furtos, receptação e extorsão (11,25%), os homicídios e crimes contra pessoas (4,78%) e a corrupção e peculato (3,36%).

No que diz respeito à PJ, o DN apenas teve acesso aos quadros estatísticos, uma vez que, segundo o director nacional adjunto Baltazar Pinto, o documento preparado para o ministro foi classificado como "confidencial". Em 2005, a central da Judiciária (que também realiza escutas para processos que são investigados por outras polícias) efectuou 8648 escutas, das quais 5619 disseram respeito a investigações da PJ e as restantes 3029 a outros órgãos de polícia criminal, como a PSP, GNR, SEF, Finanças, Alfândegas e pedidos de tribunais (ver quadro nesta página).

Ora, perante este quadro, o director nacional da PJ, Alípio Ribeiro, alertava, há duas semanas, em entrevista ao Expresso, que "ninguém sabe" em concreto quantas intercepções telefónicas são feitas. Para Alípio Ribeiro, "ainda que todas elas sejam validadas pelo juiz, era bom, até por uma questão de definição de política criminal, saber o que a casa gasta". O responsável máximo da Judiciária defendeu um tratamento seguro desta informação de modo a que seja possível dizer "quantas, em que circunstâncias, para que tipo de crimes" é que foram utilizadas.

Mais escutas na PSP e GNR

Nos números relativos a outros órgãos de polícia criminal verifica-se , desde 2003, um aumento no recurso às escutas como meio de investigação. Esta tendência é, sobretudo, visível nas investigações a cargo da PSP e GNR. Estas duas forças policiais, além do patrulhamento de proximidade, têm competências para a investigação criminal em crimes que não sejam da competência exclusiva da Judiciária.

Desde 2003, verifica-se um aumento do recuso às escutas nos processos investigados pela PSP e GNR, enquanto, de acordo com os números, na PJ a tendência é para as escutas diminuírem.

Por Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias

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