Uma legislação desadequada às novas ameaças como o terrorismo e a dispersão e sobreposição de competências das forças de segurança são algumas das críticas apontadas por um estudo sobre a segurança interna portuguesa encomendado pelo Ministério da Administração Interna e cuja primeira parte foi hoje apresentada.
O relatório, realizado pelo Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa a pedido Governo e coordenado por Nuno Severiano Teixeira, antigo ministro da Administração Interna no Governo de António Guterres, só deverá ficar concluído no final do ano, mas aponta, para já, vários erros ao actual sistema de segurança interna.
Assim, de acordo com o estudo existe uma sobreposição de áreas territoriais, de competências das muitas forças e serviços de segurança, a existência de várias tutelas, o conflito de interesses, a concorrência institucional entre polícias e a falta de partilha das bases de dados.
O trabalho coordenado por Severiano Teixeira considera ainda que o conceito de segurança está em transformação e a legislação portuguesa, datada de 1987, não tem acompanhado as mudanças.
A segurança interna é exercida por "um vasto e extravagante conjunto" de forças e serviços de segurança como a GNR, PSP, PJ, SEF e SIS e "órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica", com "sobreposição das atribuições e competências". O estudo critica também o facto de as diversas forças de segurança estarem "dispersas pela tutela do primeiro-ministro e de quatro ministros: o da Administração Interna, o da Justiça, o da Defesa Nacional e o das Obras Públicas, Transportes e Comunicações", o que acarreta "ineficiências na utilização dos instrumentos de cooperação policial europeus".
Nas conclusões hoje apresentadas é igualmente considerado que esta situação “acarreta custos financeiros em termos de orçamento do Estado e agrava a multiplicação de instâncias de coordenação meramente consultivas".
Quando o actual sistema de segurança interna português é composto pela prevenção, ordem pública, investigação criminal e informações, os autores do estudo defendem que na área da prevenção é desadequada a existência de várias tutelas, múltiplos actores e programas de prevenção, condenando ainda a falta de um órgão coordenador com capacidade interdisciplinar.
Não há uma estratégia nacional de prevenção, o que resulta numa falta de visão global dos problemas de criminalidade e insegurança, refere o documento, criticando a “concorrência institucional” entre as principais forças de segurança (GNR e PSP) e os vários órgãos de polícia criminal, “prejudicial ao desempenho da cooperação e articulação” entre elas.
As competências do Gabinete Coordenador de Segurança estão limitadas, afectando a sua capacidade para impor soluções operacionais quando as várias forças e serviços de segurança têm de actuar em conjunto.
”Investigação criminal é desajustada”
No domínio da investigação criminal, o relatório tem como “desajustada a existência de várias tutelas e de numerosos órgãos de polícia criminal”, indicando que falta um sistema de informação criminal que promova a troca de informações e partilhado por todos.
Portugal também não tem um organismo especializado na centralização da cooperação internacional que cumpra os requisitos da União Europeia nem um sistema de avaliação da eficácia da investigação criminal, frisa o relatório.
Há um entendimento rígido do conceito "informações", o que gera uma “má funcionalidade operacional” entre as informações das polícias e os dados dos serviços de informações. Para os coordenadores do estudo, falta ao sistema português uma verdadeira fusão de informações, apesar desta ideia já ter sido posta em prática com a criação, em Fevereiro de 2003, da Unidade de Coordenação Anti-Terrorismo (UCAT). Porém, a necessidade de fusão de informações "ultrapassa a ameaça terrorista e abrange todo o espectro de ameaças e riscos".
O estudo menciona ainda as recomendações do relatório da comissão permanente de Schengen, que, em finais de 2003, aconselhou Portugal a rever "a posição, o estatuto e o papel do Gabinete Coordenador de Segurança com vista a reforçar a sua autoridade" e conferir-lhe "poderes suplementares".
A Comissão Schengen debruçou-se também sobre a utilização do Serviço de Informações de Segurança (SIS). Para esta, uma das razões pelas quais o SIS não é utilizado na sua plenitude prende-se com o facto de estar "integrado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e ser conotado como um mero instrumento de controlo da imigração pelas outras forças e serviços de segurança".
Outro desajustamento apontado é a competência do Gabinete Nacional SIRENE, um órgão central de cooperação policial internacional, que está integrado no SEF e sob a tutela do ministro da Administração Interna.
Este gabinete é competente para a prevenção e investigação de factos puníveis, perseguição transfronteiriça e prevenção de ameaças para a ordem e a segurança públicas, mas não tem poderes de comando sobre as forças e serviços de segurança nele representados.
O SIRENE também não tem competência de vigilância transfronteiriça, sendo esta da responsabilidade da Polícia Judiciária, que está sob tutela do ministro da Justiça. Segundo o estudo, a "difusão para o Espaço Schengen deve ser feita através do SIS, e para fora do Espaço Schengen deve ser feita através da Interpol".
Outro dos conselhos da Comissão é a criação de "um único órgão central responsável pela cooperação policial internacional e um único ponto de contacto neste domínio".
Os três professores responsáveis pelo estudo analisaram os sistemas de segurança interna da França, Espanha, Bélgica e Áustria e concluíram que Portugal evoluiu no sentido inverso. O estudo, cuja primeira parte foi entregue dia 8 deste mês ao Ministério da Administração Interna, vai custar 72.500 euros.
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Documentação de Interesse:
Apresentação do Relatório Preliminar (doc em PDF)
IPRI - Sumário Executivo (doc em PDF)
Despacho-Estudo Forças de Segurança (doc em PDF)
Protocolo (doc em PDF)
Estudo Preparatório (doc em PDF)
Fonte: Lusa, PUBLICO.PT e MAI
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