segunda-feira, junho 26, 2006

As novas e polémicas férias judiciais


Não é fácil concertar as férias dos agentes judiciais. Esta foi a opinião manifestada pelos representantes dos sindicatos do sector que não vêem na medida imposta pelo Governo, em limitar as férias judiciais ao mês de Agosto, quaisquer vantagens.

O Governo aprovou para este ano a redução do período de férias judiciais de Verão de dois meses para um – o mês de Agosto. A diminuição do período de férias judiciais de 61 para 31 dias originou uma forte contestação no sector, uma vez que reduziu o até então período de férias judicial anual de cerca de 80 dias, incluindo as do Natal e da Páscoa.

A alteração relativa ao período de funcionamento dos tribunais surgiu porque, como justificou na ocasião o Governo, “não faz sentido, do ponto de vista da coerência global do sistema, que o Estado venha impondo regimes de tramitação tendencialmente mais simplificados e prazos mais curtos para as partes praticarem os seus actos processuais e, ao mesmo tempo, mantenha os tribunais a funcionar de forma restrita durante quase uma quarta parte do ano”.

No entanto, as opiniões do sector são unânimes: não é fácil concertar as férias dos agentes judiciais, tendo por este motivo o período sido alargado. Por outro lado, esta medida governamental por si só não vem resolver o problema da morosidade dos tribunais, conforme previa o Governo ao implementar esta redução.

Para o presidente da Direcção Nacional da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), o problema suscitado por esta alteração governativa, desde a sua origem, deveria ter sido perspectivado de uma outra forma. “Os juízes neste momento estão muito pouco interessados nas férias”, explicou o juiz desembargador António Martins ao JUSTIÇA & CIDADANIA. Nesse contexto, salientou que “o que importa discutir entre todos nós, cidadãos, juízes, e demais agentes judiciais, em conjunto com o poder político, é a especificidade dos tribunais enquanto serviços públicos”.

Justificando a sua afirmação, o representante dos juízes portugueses disse, por esse motivo, que “o que se fez com este diploma foi transmitir que não há especificidade nenhuma e ao contrário de uma empresa os tribunais não podem encerrar os seus serviços seja em que altura for”.

Turnos nos tribunais

António Martins colocou ainda nesta questão o problema da dificuldade de encaixe das férias de funcionários e juízes a um único período: “Esse óbvio só veio a ser entendido pelo Governo mais tarde e apesar de já se ter ampliado o período de férias judiciais, ficando a ser a partir de meados de Julho ao fim de Agosto, há serviço urgente que tem de ser assegurado”.

E prosseguiu: “Os tribunais não param e existem pessoas que são obrigadas a fazer turnos de uma semana para garantirem esses serviços. Ora isso não é férias, pois essas mesmas pessoas vão gozar esses dias numa outra altura, tendo assim de inevitavelmente estender o seu período de férias”.

È que a Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto não alterou o sistema de turnos destinados a assegurar o bom andamento dos processos urgentes. Assim, disse o mesmo, “esta situação era impossível. O Governo queria que os magistrados fizessem férias em Agosto, mas o mês só tem 22 dias úteis. Como é sabido, a função pública tem genericamente direito a 25 dias, além dos que ainda pode ter mais devido ao tempo de serviço. Era impossível concentrar as férias em Agosto, tanto mais que é necessário manter os turnos nos tribunais e muitos magistrados tinham de trabalhar pelo menos um dia nesse mês”.

Contudo, o juiz desembargador sublinhou que rejeita entrar em polémicas ou «braços de ferro» com o Governo. “Os juízes não estão disponíveis para continuarem a ser maltratados, nem para alimentar uma guerra sobre esta questão”, frisou.

Por essa razão, António Martins apela “a todos que equacionem qual a especificidade dos tribunais para assim encontrar um sistema que sirva o cidadão, isso claro está implica uma articulação das férias das pessoas que nestas instituições trabalham”. Com este sistema, os juízes geriam o seu tempo e gozavam “as suas férias nesse período”, fazendo-o “em função do serviço que tinham”, esclareceu.

É que “férias judiciais não significam que os agentes da justiça estejam sem fazer nada”, apontou. “Há sempre gente a trabalhar e esse período”, evidenciou o juiz, insistindo que, “contrariamente ao que muita gente pensa, as férias judiciais não significam um período de descanso”.

Atraso mantém-se

Noutro momento, o presidente da Associação de Juízes manifestou ainda que a redução das férias judiciais não acarreta quaisquer vantagens para a justiça.

“Os mapas das férias já estão feitos. As regras foram impostas pelo Conselho Superior da Magistratura, que depois delegou competências nos presidentes das Relações para os homologar”, declarou, garantindo que “o esforço feito para concertar os períodos de férias dos vários intervenientes judiciais não cria produtividade”.

Pôr fim às férias judiciais e passar a proporcionar às pessoas que trabalham nos tribunais a possibilidade de escolher o período para gozar as suas férias, foi a posição defendida pelo presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, que disse que “esta é uma medida de difícil concretização tal qual como se apresenta”.

A esta problemática concertação das férias dos agentes judiciais conjuga-se ainda uma outra situação e que é a de “não ser através da redução das férias judiciais que o crónico problema do atraso na aplicação da justiça possa eficazmente resolver-se”, concluiu.Matéria diferente, ainda que relacionada, são as férias dos magistrados do Ministério Público, a estes aplica-se subsidiariamente quanto a deveres, incompatibilidades e direitos, o regime da função pública, lê-se no comunicado do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público divulgado, na sequência da entrada em vigor do novo regime legal introduzido pela nova lei sobre a aplicação das férias judiciais.

Nesse contexto, a proposta governativa, com algumas semelhanças ao sistema espanhol, prevê a possibilidade desses magistrados gozarem preferencialmente as suas férias no período das férias judiciais. Está ainda prevista a possibilidade de gozarem ainda as suas férias entre 15 e 31 de Julho, refere ainda o documento.

Por Luísa Mateus, in JUSTIÇA & CIDADANIA (O Primeiro de Janeiro)

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