terça-feira, junho 20, 2006

Seguradoras sem acesso a dados clínicos dos mortos


A Comissão Nacional da Protecção de Dados Pessoais (CNPD) proíbe o acesso à informação médica dos falecidos para o pagamento de seguros de vida e exige que as seguradoras alterem os contratos. Isto porque há cada vez mais companhias a pedir o historial clínico dos segurados para pagar as respectivas indemnizações, o que a Comissão considera uma violação da privacidade.

A CNPD defende que ninguém pode aceder aos dados pessoais de saúde de titulares já falecidos, a não ser que estes expressem o consentimento em cláusulas contratuais "que sejam destacadas, separadas e autonomizadas do respectivo contrato". E, mesmos nestes casos, o consentimento deve ser "proporcional" ao fim a que se destina, devendo limitar-se "à origem, causas e evolução da doença ou acidente de que resultou a morte do titular segurado".

O objectivo é que a pessoa ao fazer um seguro de vida tenha a consciência de que está a abrir as portas para que terceiros investiguem a sua privacidade após a morte. E isso não acontece com os actuais contratos, segundo a CNPD. A deliberação, emitida a 30 de Maio, foi enviada para o Instituto de Seguros de Portugal e a Associação Portuguesa de Seguradoras, que não querem comentar.

"Trata-se de proteger a privacidade da pessoa que morre. Pode não estar interessada em que as famílias saibam que doenças teve", explica o presidente da CNPD, Luís Silveira. O número crescente dos pedidos para aceder à informação médica (105 o ano passado) levou a que o assunto fosse analisado ao pormenor e que houvesse uma maior exigência relativamente a uma deliberação, em 2001, sobre dados pessoais de saúde, considerados sensíveis.

Aqueles pedidos têm sido recusados e as seguradoras introduziram uma cláusula a autorizar o fornecimento desse tipo de informação, o que é considerado ilegal. "O contrato de seguros de vida é para compensar os familiares (beneficiários) do segurado da sua morte. Uma vez verificada a morte, as companhias estão obrigadas a pagar o seguro e não deveriam incluir cláusulas restritivas, como exigir a apresentação do dossier clínico. As cláusulas desse tipo devem ser consideradas nulas", explica Luís Silveira. Acrescenta que devem ser feitos todos os exames em vida para evitar dúvidas.

Outra das alternativas das seguradoras foi pedir aos familiares dos falecidos a informação médica, uma vez que os centros de saúde e os hospitais se recusaram a fazê-lo ou dirigiram-se à CNPD. Os maridos, as mulheres e os filhos, os principais beneficiários do seguro, tudo fazem para obter esses dados, até porque disso depende receberem a indemnização. A esses, apenas é autorizada a divulgação da causa da morte.

A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos é outro dos organismos a quem se pode recorrer para aceder à informação médica. Estes pedidos têm sido aceites. "Não há uma resposta única, depende do pedido e da circunstâncias", diz Gabriel Cordeiro, um dos juristas. Acrescenta que, ultimamente, os casos têm sido apresentados à CNPD. Esta apoia-se na Constituição e na lei da protecção de dados pessoais para recusar os pedidos sobre a saúde de titulares falecidos, uma vez que não há uma lei sobre a matéria.

Por Céu Neves, in Diário de Notícias

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