quinta-feira, junho 29, 2006

"Em matéria de justiça não se pode mandar os cidadãos para Espanha"


"Não se pode fechar tribunais como quem fecha maternidades", porque "em matéria de justiça não se pode mandar os cidadãos para Espanha", alertaram ontem os representantes dos juízes e dos procuradores na abertura do debate público sobre a reforma do mapa judiciário. A sessão foi presidida pelo ministro da Justiça, Alberto Costa, que anunciou o fim das comarcas como unidades de divisão do território judicial. Segundo o governante, "o mapa judiciário vai obedecer a uma nova unidade de referência, que não as comarcas, o que permitirá reunir mais meios humanos e materiais para dar uma resposta mais qualificada e flexível, melhorando a qualidade dos serviços prestados".

Assim, as actuais 233 comarcas deverão, pois, dar lugar a unidades de delimitação territorial mais amplas. A ideia, concretizou Alberto Costa, é fazer coincidir a futura divisão judiciária com as actuais cinco divisões administrativas utilizadas para a distribuição de fundos comunitários, as chamadas NUT II (nomenclaturas unitárias territoriais), a saber: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

As comarcas são uma matriz de referência do séc. XIX. No âmbito da actual orgânica judiciária - explicou Helena Ribeiro, directora-geral da Administração da Justiça - os oficiais de justiça, assim como os juízes, colocados numa circunscrição não podem ser transferidos para a circunscrição vizinha, mesmo que se encontre atolada em processos e a sua às moscas. É o chamado princípio da inamovibilidade, que, no caso dos magistrados judiciais, está também relacionado com o princípio do juiz natural - só assumem os processos distribuídos por sorteio. Isto para evitar a "entrega de alguns processos a alguns juízes, ou a entrega de alguns juízes a alguns processos", ironizou o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), António Martins.

Este juiz desembargador reconheceu a necessidade de se reformular o mapa judiciário, mas advertiu para a tentação de se aplicar aos tribunais o método das maternidades. Quanto às questões da imobilidade e do juiz natural, advertiu que se trata de princípios constitucionais para preservar. O presidente do Sindicato dos Oficiais Justiça, Fernando Jorge, pôs em dúvidas a necessidade de se mexer no mapa. "Mais urgente é rever o Código de Processo Civil", disse, lembrando que a morosidade é o "cancro" da justiça.

Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, "os tribunais desempenham uma função de soberania e são, por certo, os únicos órgãos de soberania com implantação territorial no país". Ora, "acontece que em matéria de justiça não se pode mandar os cidadãos para Espanha", advertiu António Cluny, para quem a reforma do mapa deve partir de um "programa político claro, coerente e sociologicamente bem sustentado".

Por Licínio Lima, in Diário de Notícias

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