sexta-feira, fevereiro 09, 2007

"Não se combate a corrupção com procuradores polivalentes"


O procurador-geral espanhol, Cándido Conde-Pumpido defende o modelo da especialização das investigações. Destacando o combate à corrupção, sobretudo no urbanismo, que está a ser levado a cabo em Espanha. Para Conde-Pumpido, a corrupção distorce a livre concorrência, porque obriga os empresários a pagarem uma "portagem" para poderem fazer investimentos. Sobre os processos que envolvem políticos, afirma que tanto os juízes como os procuradores têm que estar preparados para as pressões.


Em Espanha está em curso um debate sobre a reforma do Ministério Público e já afirmou que gosta mais do modelo português. Porquê?

A reforma vai em três linhas: melhorar o funcionamento através da especialização, adaptar-nos às comunidades autónomas e reforçar a autonomia do Procurador Geral do Estado. E neste último aspecto, contemplamos o modelo português, que tem um PGR cuja duração do mandato está fixado na Constituição e não depende da decisão do governo. Isso confere uma autonomia que nós valorizamos. O novo estatuto fixará um mandato fixo de quatro anos.

Disse que as instruções para a execução da política criminal retira autonomia ao Ministério Público (MP). Porquê?

No sistema espanhol, o governo traça umas linhas de política criminal e o parlamento confirma-as através das reformas legislativas. Depois o MP executa essa política criminal com margem de autonomia funcional. O governo pode pedir ao MP determinadas actuações, mas nunca o governo ou a oposição pode dar ordens. Creio que no modelo português, segundo vai ficar estabelecido, cabe ao Parlamento definir essas linhas através de uma lei. Em Espanha, é o procurador geral que define as prioridades dentro do princípio da legalidade.

Por que motivo o MP espanhol decidiu apostar na especialização com a criação das procuradorias especializadas em narcotráfico, corrupção, etc.?

Toda a vida social e económica caminha no sentido da especialização. E, lamentavelmente, os criminosos também se especializam. A criminalidade financeira, a corrupção no urbanismo, os crimes informáticos, a utilização da Internet para abuso sexual de menores, a grande criminalidade trans-nacional, o terrorismo são um conjunto de matérias que não podem ser abordadas por um procurador polivalente, omnisciente, que possa saber absolutamente de tudo. Porque, se assim for, o procurador não está ao mesmo nível dos criminosos. Optámos por criar redes de procuradores especializados, os mais bem preparados para enfrentar fenómenos distintos de criminalidade.

Esse modelo tem dado resultados?

Sim. Em matéria de corrupção urbanística e branqueamento de capitais, nos dois últimos anos, os resultados são espectaculares. Tivemos várias operações em que bloqueamos grandes quantidades de dinheiro. E isto deve-se à especialização dos procuradores. Desde o momento em que se criaram procuradorias especializadas anti-corrupção nas zonas turísticas, os processos também se multiplicaram.

No Sul de Espanha têm ocorrido várias investigações sobre corrupção no urbanismo. Que análise faz desse fenómeno?

A corrupção urbanística afecta localidades concretas. Por exemplo, em Marbella verificou-se que os três últimos alcaides acabaram na prisão. A actuação do juiz de instrução e do procurador acabou por afectar toda a estrutura municipal - todos os membros do executivo estão implicados. Para lutar contra este fenómeno é preciso uma grande especialização, porque normalmente tudo isto funciona a uma nível muito oculto. E à medida que vamos lutando, verifica-se um cruzamento de interesses económicos, políticos e pessoas sem escrúpulos. É um fenómeno que prejudica o próprio sistema económico e os empresários honrados: os seus investimentos ficam dependentes do pagamento de uma portagem para a corrupção, uma espécie de imposto que têm que pagar aos políticos locais para fazerem os seus negócios.

É difícil fazer uma investigação quando os tais interesses económicos e políticos se cruzam?

Sim, é muito difícil. Ainda por cima estamos a falar de delitos aparentemente sem vítima: quando o que paga e o que recebe estão de acordo, não há aparentemente uma vítima. A vítima é sociedade. Um dos caminhos passa pela investigação das contas bancárias, de forma a perceber o aumento de património não justificado. Depois há as escutas telefónicas, a análise de documentos, os registos informáticos. Estamos a avançar, mas não é fácil.

Nestes casos, há pressão do poder político? Os investigadores sentem-na?

É difícil superar. Porque o sector político que possa ser afectado utiliza os próprios meios de comunicação para desclassificar o trabalho do juiz e do procurador, procurando sempre argumentos de vitimização. Diz-se que a polícia e o procurador estão a actuar por motivos políticos.


Por Carlos Rodrigues Lima, in DN Online.

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