domingo, fevereiro 11, 2007

Polícia usa cadastrados como agentes infiltrados...quem diria?


Um dia são troféu de caça dos agentes policiais, atirados para a prisão durante anos por vários crimes. Noutro, ajudam os seus caçadores a ter êxito noutras caçadas. Estes são os agentes infiltrados em acções encobertas de que a Polícia Judiciária (PJ) muitas vezes se serve para apreender droga e deter os traficantes, surgindo envolvidos na maior parte das grandes operações policiais. Por cada acção encoberta esses cadastrados podem arrecadar milhões de euros, "sujos", com consentimento tácito das autoridades judiciárias. A comunidade jurídica, incluindo os magistrados judiciais, está dividida quanto à legitimidade do Estado em admitir este método de investigação criminal.

As acções encobertas com agentes infiltrados estão previstas na Lei 101/2001, de 25 de Agosto, como um meio excepcional de investigação para a criminalidade mais grave. Em Portugal , esse meio é usado, sobretudo, nas grandes operações de apreensão de droga, recorrendo a PJ, geralmente, a conhecedores do meio, civis, já com cadastro.

Mas há outras situações em que o método é usado. O último caso mais conhecido foi o da Bragaparques, em que surge um advogado, Ricardo Sá Fernandes, a encontrar-se com um suspeito, Domingos Névoa, para, de modo encoberto, obter provas para a incriminação deste, com conhecimento da autoridade judiciária.

Tribunais criticam

"Mas o recurso ao agente infiltrado tem sido aceite pela jurisprudência com reticências e com alguma relutância por parte significativa da doutrina", afirma o juiz que, em 2005, presidiu ao colectivo que condenou os irmãos Pinto - figuras conotadas com o bloqueio da Ponte 25 de Abril - por crime de tráfico de droga agravado. No voto de vencido, Manuel Rodrigues escreveu: "Absolveria todos os arguidos por considerar que a actuação da PJ e do seu 'homem de confiança' (agente infiltrado) violou, desproporcionadamente, as garantias da defesa". Chamado a depor nesse mesmo julgamento, o inspector da PJ Sousa Martins - então director nacional adjunto, hoje reformado - frisou que nenhum agente infiltrado actua por acreditar nos valores da justiça.

O Tribunal de Soure, em 2002, absolveu cinco indivíduos, traficantes de droga, por entender que a PJ, a partir de certa altura, através do agente infiltrado, "alimentou o facto criminoso e prolongou-o para lá do que juridicamente se impunha".

A mesma opinião teve o Tribunal de Setúbal, em 1997, absolvendo seis arguidos. Entenderam os juízes que "foi aquela polícia quem, por meios enganosos, determinou os arguidos à prática dos factos delituosos".

Hernâni de Lacerda (...) é hoje advogado de vários arguidos apanhados em acções encobertas. Mas, nos anos 80, sendo então magistrado do Ministério Público, foi o primeiro no seio da PJ a comandar uma unidade especializada de combate à droga - o antigo Centro de Investigação e Controlo de Drogas. Em declarações ao DN, entende que a PJ, nas acções encobertas, "comete 80% do crime". Afirmou: "A fase mais difícil para um narcotraficante não é comprar a droga na Colômbia, mas trazê-la para a costa portuguesa", assegurando que, "nas acções encobertas, a polícia fornece os meios ao agente infiltrado".

Depois, "nunca a PJ junta aos autos os relatórios da acção encoberta. É uma deslealdade processual", advertiu João Ferreira, também advogado de vários arguidos nas mesmas condições, reparando: "Nunca apreendem o barco que traz droga ."

O professor Germano Marques da Silva é peremptório: "Sou contra este meio de obtenção de prova. Fere os valores que o Estado deve defender", disse ao DN. Na óptica de Costa Andrade, "trata-se de um meio enganoso". Carlos Pinto de Abreu, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, admite a existência de agentes infiltrados para certos tipo de crime, mas adverte para a necessidade de "ser muito controlado", pois "há o risco de se tornar agente provocador, por interesse ou até por vingança". O antigo director da Direcção Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes (DCITE) lembra, por seu lado, os vários apelos internacionais para a urgência de os Estados enfrentarem a criminalidade organizada. "Com certos crimes, só através do agente infiltrado é possível obter provas", defendeu António Martins.


Por Licínio Lima, in DN Online.

Sem comentários: