quinta-feira, fevereiro 08, 2007

74 processos disciplinares a juízes nos últimos três anos


O Conselho Superior da Magistratura (CSM) instaurou 74 processos disciplinares a juízes nos últimos três anos, indicam os dados deste órgão de gestão e disciplina dos magistrados judiciais. Vinte e um desses processos acabaram em arquivamento.

A multa foi a pena mais aplicada, seguida da advertência. Seis juízes foram obrigados a aposentar-se compulsivamente neste período de três anos, referem os mesmos números. Refira-se que em Portugal há cerca de 1500 juízes.

Apenas no que respeita a 2006, contam-se 24 processos disciplinares instaurados, 21 dos quais foram julgados. Entre as penas aplicadas contam-se quatro aposentações compulsivas, duas transferências, três suspensões, cinco multas, quatro advertências e cinco arquivamentos.

O juiz desembargador Rui Rangel corre agora o risco de vir também a ser alvo de procedimento disciplinar se o processo de inquérito que o CSM decidiu instaurar-lhe, na passada terça-feira, concluir pela sua "culpa" quando assinou um artigo no jornal Correio da Manhã, criticando a sentença do Tribunal de Torres Novas que condenou a seis anos de cadeia o homem que se recusa a entregar uma criança que tinha acolhido quando era bebé ao pai biológico.

Os juízes do CSM decidiram instaurar-lhe um inquérito, considerando a possibilidade de ter violado o "dever de reserva" estabelecido no estatuto dos magistrados judiciais que os impede de se pronunciar sobre sentenças que ainda não transitaram em julgado.

Há cerca de duas semanas, outro juiz, Helder Fráguas, foi suspenso por utilizar linguagem considerada obscena no seu blogue.

Os membros do CSM vão também ter de decidir, na sua próxima reunião, se vão ou não instaurar um processo de inquérito ao ex-ministro da Justiça Laborinho Lúcio, que, actualmente, também integra aquele conselho, por ter feito declarações, num programa televisivo acerca da sentença do chamado "caso Esmeralda", considerando não ter sido feita justiça.

A questão vai ser analisada a pedido do próprio Laborinho Lúcio, após a decisão daquele órgão de instaurar um inquérito disciplinar a Rui Rangel.

O antigo ministro da Justiça, membro designado pelo Presidente da República para integrar o CSM, decidiu abster-se, na reunião da passada terça-feira, quanto ao inquérito a Rangel e pediu que também lhe fosse instaurado um processo, tendo em conta ter criticado a mesma sentença.

Foi uma atitude de "uma honestidade intelectual a toda a prova", disse Rui Rangel, em declarações ao PÚBLICO, notando que ainda não foi notificado da decisão, da qual apenas tomou conhecimento através da comunicação social.

O assunto foi apresentado como "questão prévia", na reunião, pelo vice-presidente do CSM, juiz conselheiro Santos Bernardino, que levou o referido artigo assinado por Rangel à apreciação dos membros do conselho. A maioria (nove) votou a favor da abertura de um inquérito. Seis votaram contra.

Este inquérito tem em vista esclarecer se Rui Rangel violou o "dever de reserva" estabelecido no estatuto dos magistrados judiciais que os impede de comentar processos judiciais em curso. O visado considera, no entanto, não ter violado essa norma, já que, em sua opinião, esse dever se aplica apenas "em relação aos processos que se encontram sob a sua jurisdição". "Exercitei apenas o direito de opinião", afirma, acrescentando que "o que está verdadeiramente em causa é a liberdade de expressão e o dever de reserva não pode ser utilizado para impor a lei da rolha".

O juiz chama ainda a atenção para a dualidade de critérios por parte do CSM, visto que vários outros juízes se pronunciaram publicamente quanto à sentença de Torres Novas e não foram alvo de qualquer processo. "É público e notório que as minhas críticas e opiniões são muito diferentes das de Santos Bernardino e de Noronha de Nascimento", diz, referindo-se ao vice-presidente do CSM e ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

A decisão de proceder disciplinarmente contra Rui Rangel está a contribuir para uma discussão acerca das fronteiras entre o dever à reserva dos juízes e o direito à liberdade de expressão.


Por Paula Torres de Carvalho, in PUBLICO.PT

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