segunda-feira, junho 26, 2006

Zé do Telhado – herói ou bandido?


É difícil destrinçar entre o mito e a realidade que rodeiam o Zé do Telhado. Herói das guerras liberais ou bandido violento, mas com preocupações sociais? Uma questão a que a História ainda não deu a resposta cabal. Julgado num processo de duvidosa legalidade, foi condenado ao degredo e morreu em Angola, onde ainda hoje se fazem romagens à sua campa.

A 25 de Abril de 1859, José Teixeira da Silva, vulgarmente conhecido pelo nome de Zé do Telhado, começou a ser julgado no Tribunal do Marco de Canaveses, acusado de diversos crimes de roubo com violência.

O juiz António Pereira Ferraz, dois dias depois, condenou-o a trabalhos públicos por toda a vida na costa ocidental de África. A pena foi mantida pelo Tribunal da Relação do Porto e, anos depois, comutada para apenas 15 anos de degredo.

Herói esforçado das guerras liberais – titular da Ordem da Torre e Espada do Valor – ou tão-só um bandido impiedoso, líder de uma quadrilha onde pontuavam padres, morgados, empresários e alfaiates, que não hesitava em matar? A dúvida tem persistido desde há mais de um século e o mito nunca parou de crescer, sobretudo, depois da primeira biografia ter sido romanciada por Camilo Castelo Branco, seu companheiro de cela na Cadeia da Relação do Porto. Apesar de tudo, não falta quem o queira comparar a uma espécie de Robin dos Bosques, em versão lusitana, preocupado em roubar aos ricos para dar aos pobres. Uma coisa é certa: quando se passa em Penafiel, a casa onde nasceu Zé do Telhado é referenciada, quanto mais não seja como uma curiosidade local.

Nascido em 1818, no lugar do Telhado, freguesia de Castelões de Recezinhos, concelho de Penafiel, José Teixeira da Silva casou-se com a prima Ana Lentina, aos 19 anos (e com quem teve cinco filhos), e assentou praça no quartel de Cavalaria 2, denominado «Lanceiros da Rainha». Os tempos eram conturbados e liberais e absolutistas digladiavam-se entre si, dando azo a várias insurreições e revoltas, entre as quais, a da Maria da Fonte foi das mais famosas.

José Teixeira da Silva foi um dos líderes militares da revolução e tornou-se notado, enquanto sargento, por actos de bravura, o que lhe faz ganhar a Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Mas, a derrota adveio para os revoltosos e o sargento Silva foi perseguido, atolou-se em dívidas por impostos e acabou expulso das Forças Armadas. Procurou emprego, mas não o conseguiu. Nasceu então o Zé do Telhado.

Mito ou realidade

Em 1842, Custódio, o «Boca Negra», era o chefe da maior quadrilha de bandoleiros e conhecia bem as façanhas militares de José Teixeira da Silva. Ferido num dos assaltos, o «Boca Negra» entregou-lhe o comando da quadrilha, onde pontuavam diversos assaltantes, conhecidos por curiosos nomes: «Tira-vidas», «Girafa», «Sancho Pacato», «Veterano» e «Zé Pequeno». Zé do Telhado reorganizou o grupo e a sua fama de bandoleiro atravessou o País, correndo histórias sobre o modo como ajudava os pobres com o dinheiro e ouro conseguido nos assaltos. O seu amor-próprio cresceu de forma desmesurada, chegando mesmo a emitir um salvo-conduto com a sua assinatura: “O portador deste salvo-conduto pode passar livremente e mando que o ajudem quando for preciso”.

Perseguido pelas autoridades, Zé do Telhado várias vezes conseguiu escapulir pelas malhas da justiça, até ao dia em que foi preso, a cinco de Abril de 1861. O julgamento começou no dia 25 e, dois dias depois, às duas da madrugada, ouviu a condenação pela prática de doze crimes, entre os quais, os de roubo, homicídio, organização de quadrilha e tentativa de evasão para o Brasil sem passaporte. Hoje, não há dúvidas de que o processo foi uma farsa, dado que os seus comparsas (morgados, padres, administradores e regedores) nunca foram perseguidos ou julgados – alguns deles safaram-se por terem colaborado na acusação e emigraram para o Brasil – e as próprias testemunhas de acusação nada tinham visto e apenas tinham ouvido falar.

O degredo

Em cumprimento da pena a que fora condenado, José Teixeira da Silva desembarcou em Luanda, seguindo depois para Malange. Fez-se negociante de borracha, cera e marfim e casou-se com uma angolana, Conceição, com quem teve três filhos. Deixou crescer a barba até ao umbigo, viveu desafogadamente em terras africanas e morreu aos 57 anos.

Sepultado na aldeia de Xissa, perto de Malange, os angolanos ergueram-lhe um mausoléu, onde ainda hoje se assiste a romagens à campa do «quimuêzo» – homem de barbas grandes.

O ser humano morreu, mas o mito perdurou e Zé do Telhado é recordado pelos angolanos como um alguém austero, que tinha um grande coração e que nunca deixava um pobre sem ajuda.

Por Paulo Tavares, in JUSTIÇA & CIDADANIA (O Primeiro de Janeiro)

1 comentário:

Anónimo disse...

Nascido em 1818, no lugar do Telhado, freguesia de Castelões de Recezinhos, concelho de Penafiel, José Teixeira da Silva

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa

Nascido em Vilar de Maçada, concelho de Alijó, distrito de Vila Real, em 6 de Setembro de 1957

o novo Zé do Telhado do séc. XXI