"O patrão que no local de trabalho dos seus empregados instala um sistema electrónico que permite saber as vezes que cada empregado se desloca à casa de banho, as horas a que o faz e o tempo que aí demora não preenche o elemento objectivo do crime de devassa por meio de informática."
Esta foi, em síntese, a decisão do Tribunal da Relação do Porto (do dia 31 de Maio) perante um caso em que um trabalhador de uma fábrica de calçado acusava a entidade patronal de devassa da vida privada, pelo facto desta, através de um cartão electrónico, controlar as idas dos funcionário à casa de banho.
O processo iniciou-se com uma queixa ao Ministério Público que determinou o arquivamento do inquérito. Inconformado com a decisão, o funcionário de uma empresa de calçado requereu a abertura da instrução. Mas um juiz de Santa Maria da Feira voltou a arquivar. Não satisfeito, o trabalhador recorrer do despacho de não pronúncia do patrão para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas alegações ao tribunal, o funcionário argumentou que "desde Janeiro de 1996", o presidente da empresa "criou, utilizou e continua a utilizar um ficheiro automatizado de dados pessoais referentes aos seus trabalhadores". Com esta aplicação informática, segundo o assistente, o patrão "sabe rigorosamente a que horas é que cada um dos seus trabalhadores entrou no quarto de banho para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, quanto tempo aí passou e a que horas é que daí saiu".
O funcionário alegou que as "regras da experiência dizem-nos que a esmagadora maioria das pessoas que utiliza os quartos de banho para satisfazer as suas necessidades fisiológicas e não para qualquer outro fim, como fumar, conversar, descansar, comer". Logo, concluiu, "terá de presumir-se que o tempo que as pessoas passam no interior de uma casa de banho diz respeito à sua vida privada. E por isso tal período de tempo não deverá ser controlável."
O sócio gerente da fábrica respondeu ao recurso, declarando que a respectiva aplicação informática "está devidamente registada" na Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (CNPDP), que analisou "no local quer o sistema quer os dados objecto de tratamento".
Depois de uma extensa dissertação sobre o direito aplicado ao caso concreto, os juízes desembargadores Joaquim Gomes, Manuel Moreira e Manuel Braz negaram provimento ao recurso.
Isto porque, argumentaram, a "referência a vida privada existente no tipo legal de crime do art. 193.º [Código Penal] pretende apenas abranger o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento dos demais". O que não acontece numa empresa: "Daí que uma deslocação ao quarto de banho, no local de trabalho, que é o que está aqui em causa, seja perceptível pelas demais pessoas que se encontrem nesse local, não significando esse acontecimento qualquer situação da sua vida privada ou familiar mais restrita, da sua intimidade, da sua saúde ou sexualidade."
Recorde-se que a utilização de cartões magnéticos para controlar o tempo dos funcionários na casa de banho levantou muita polémica entre 1996 e 1997. O Supremo Tribunal Administrativo acabou por dar razão à CNPDP, que argumentou pela violação da privacidade, considerando como ilegal a utilização deste mecanismo, uma vez que produzia uma base de dados que nada tinha a ver com a gestão do serviço.
Por Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias
Esta foi, em síntese, a decisão do Tribunal da Relação do Porto (do dia 31 de Maio) perante um caso em que um trabalhador de uma fábrica de calçado acusava a entidade patronal de devassa da vida privada, pelo facto desta, através de um cartão electrónico, controlar as idas dos funcionário à casa de banho.
O processo iniciou-se com uma queixa ao Ministério Público que determinou o arquivamento do inquérito. Inconformado com a decisão, o funcionário de uma empresa de calçado requereu a abertura da instrução. Mas um juiz de Santa Maria da Feira voltou a arquivar. Não satisfeito, o trabalhador recorrer do despacho de não pronúncia do patrão para o Tribunal da Relação do Porto.
Nas alegações ao tribunal, o funcionário argumentou que "desde Janeiro de 1996", o presidente da empresa "criou, utilizou e continua a utilizar um ficheiro automatizado de dados pessoais referentes aos seus trabalhadores". Com esta aplicação informática, segundo o assistente, o patrão "sabe rigorosamente a que horas é que cada um dos seus trabalhadores entrou no quarto de banho para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, quanto tempo aí passou e a que horas é que daí saiu".
O funcionário alegou que as "regras da experiência dizem-nos que a esmagadora maioria das pessoas que utiliza os quartos de banho para satisfazer as suas necessidades fisiológicas e não para qualquer outro fim, como fumar, conversar, descansar, comer". Logo, concluiu, "terá de presumir-se que o tempo que as pessoas passam no interior de uma casa de banho diz respeito à sua vida privada. E por isso tal período de tempo não deverá ser controlável."
O sócio gerente da fábrica respondeu ao recurso, declarando que a respectiva aplicação informática "está devidamente registada" na Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (CNPDP), que analisou "no local quer o sistema quer os dados objecto de tratamento".
Depois de uma extensa dissertação sobre o direito aplicado ao caso concreto, os juízes desembargadores Joaquim Gomes, Manuel Moreira e Manuel Braz negaram provimento ao recurso.
Isto porque, argumentaram, a "referência a vida privada existente no tipo legal de crime do art. 193.º [Código Penal] pretende apenas abranger o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento dos demais". O que não acontece numa empresa: "Daí que uma deslocação ao quarto de banho, no local de trabalho, que é o que está aqui em causa, seja perceptível pelas demais pessoas que se encontrem nesse local, não significando esse acontecimento qualquer situação da sua vida privada ou familiar mais restrita, da sua intimidade, da sua saúde ou sexualidade."
Recorde-se que a utilização de cartões magnéticos para controlar o tempo dos funcionários na casa de banho levantou muita polémica entre 1996 e 1997. O Supremo Tribunal Administrativo acabou por dar razão à CNPDP, que argumentou pela violação da privacidade, considerando como ilegal a utilização deste mecanismo, uma vez que produzia uma base de dados que nada tinha a ver com a gestão do serviço.
Por Carlos Rodrigues Lima, in Diário de Notícias
1 comentário:
Em abstracto não vejo qualquer "devassa", o empregador não tem acesso ao que o trabalhador faz na WC, apenas o número de vezes e o tempo que lá demora...
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