sexta-feira, janeiro 12, 2007

Cravinho


Por Eduardo Dâmaso
(Editorial Diário de Notícias)

"A dificuldade que o grupo parlamentar do PS tem em chegar a soluções consensuais sobre as propostas de João Cravinho no combate à corrupção merece profunda reflexão. O chamado "pacote Cravinho" não é feito de soluções perfeitas, prontas a ser incorporadas nos códigos da justiça, mas a referida dificuldade do PS em negociá-lo demonstra por si só a sua importância. Elas encaixam, na perfeição, em omissões e erros, cometidos ao longo dos últimos trinta anos.

Portugal, com uma justiça fortemente influenciada pela ditadura salazarista, só nos anos oitenta começou a construir os alicerces da independência e democratização das magistraturas. Mas essa democratização da justiça e a sua verdadeira emancipação face ao poder político, no sentido objectivo da separação de poderes, têm sido quase tão lentas como aconteceu na Itália do pós-guerra até à "Operação Mãos Limpas".

A complexidade da realidade política, social e económica evoluiu de forma muito mais rápida do que a definição de fronteiras, autonomias e competências entre os operadores judiciários e é esse um dos principais factores de erosão tanto do poder judicial como das instituições da democracia representativa, ambos incapazes de dar respostas à percepção que a opinião pública vai tendo de fenómenos como o enriquecimento ilícito, a corrupção e o tráfico de influências.

Os casos que marcaram os últimos anos - corrupção no fisco, nas polícias, nas autarquias, na própria Procuradoria-Geral da República - são reflexo de um mal-estar que há muito se detecta na vida política e judicial face à incapacidade de travar os sinais que se foram acumulando em matéria de criminalidade económica.

A resolução de alguns desses casos projectou uma imagem de eficácia, mas em três décadas o sistema judicial foi totalmente incapaz de concluir investigações manifestamente letais para alguns políticos, de incomodar as lideranças partidárias com inquéritos que soubessem enquadrar os factos na sua manifesta relação com o financiamento ilegal dos partidos e o mais grave dos crimes que lhe é adjacente, a corrupção. O coração do chamado "polvo da corrupção" não foi tocado e está instalado no sistema político, na economia, na produção legislativa, na administração pública e autárquica. Os segredos da justiça e da política ainda são muitos. É por causa disso que Cravinho tem tido o papel que é conhecido. É por isso que o grupo parlamentar do PS tem sido empurrado para a posição de quem exibe reticências ao combate do conhecido pântano."

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