terça-feira, outubro 09, 2007

Arbitragem e justiça fiscal

A justiça como está não responde às necessidades nem dos cidadãos, nem do Estado, nem das empresas e nem dos investidores.

Por Tiago Caiado Guerreiro, Advogado
in Diário Económico

"A lei da arbitragem em Portugal prevê que pode ser submetido pelas partes a uma decisão arbitral qualquer litígio que não implique direitos indisponíveis, sendo a decisão tomada com base no direito vigente, ou subsidiariamente em juízos de equidade.

Ora, sendo o pagamento dos impostos um dever do contribuinte enquanto sujeito passivo numa relação jurídica com o Estado, neste caso com a Administração Fiscal, não se põe em causa que tal dever deriva da lei e do actual quadro legal constituindo-se como um direito indisponível.

Efectivamente, não há “disponibilidade” na relação entre o contribuinte que declara os seus rendimentos e a Administração Fiscal que cobra unilateralmente o imposto em dívida, não podendo o contribuinte “dispor”, isto é, negociar qualquer circunstância ou elemento. Há pois, em princípio, uma sujeição à lei que decorre do princípio da legalidade em que ambos estão completamente vinculados.

No entanto, actualmente, não faz sentido manter esta relação desequilibrada, pautada por resquícios de uma visão estatista e imperial na qual o Estado impõe unilateralmente os seus ditames aos contribuintes.

Querendo inverter esta situação, os Estados-membros da UE acordaram em recorrer a este método de resolução de litígios entre eles, através da Convenção Europeia de Arbitragem aprovada nos anos noventa.

Em relação às relações tributárias com os particulares Portugal não se modernizou, não iniciou um caminho em que a Administração Fiscal e o contribuinte ficariam ‘a priori’ no mesmo plano de igualdade, como sucede na arbitragem.

Ora, o que falta para ultrapassar os referidos condicionalismos normativos é vontade política de modernizar instituições que durante séculos se mantiveram congeladas no tempo.

A justiça como está não responde às necessidades nem dos cidadãos nem do Estado, nem das empresas e nem dos investidores. Na verdade, a justiça quando não é célere nem sequer é justiça, como tem repetido inúmeras vezes o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem cada vez que condena o Estado Português por esta razão.

A falta de celeridade da justiça e o mau funcionamento dos tribunais e os erros sucessivos nas inspecções fiscais efectuadas pela Administração Fiscal levam a que Portugal seja cada vez mais excluído do roteiro do investimento, e a que muitas empresas e cidadãos portugueses desinvistam, retirando os seus recursos para outros países.

Mais de 90% dos processos fiscais intentados pelos contribuintes contra o Estado por liquidações adicionais, resultando de inspecções mal feitas e outros erros, são ganhos pelos contribuintes, que durante um período médio de 5 a 15 anos se vêem privados de um conjunto muito vasto de direitos. Estas situações levam ‘inclusive’ à destruição de milhares de empresas e da vida de dezenas de milhares de contribuintes.

Alargar o âmbito da arbitragem nos litígios judiciais às relações tributárias seria pois da mais elementar prudência, já que a sua aplicação nos países de matriz anglo-saxónica revelou claros e imediatos resultados na celeridade da justiça aplicada e na certeza do investidor.

Várias têm sido as hipóteses alvitradas para ponto de partida no recurso à arbitragem no âmbito fiscal, sendo o campo dos benefícios fiscais um dos mais fecundos.

Neste âmbito, e quando não sejam de aplicação automática, a lei prevê a possibilidade de os mesmos serem negociados entre a Administração Fiscal e o contribuinte, não se prevendo no entanto qualquer recurso à arbitragem.

Outra situação que podia beneficiar da arbitragem fiscal é o caso da aplicação de métodos indirectos que, contando com alguma discricionariedade, muitas vezes resulta em penosas, injustas e unilaterais decisões na sua aplicação e tem efeitos concretos e imediatos no contribuinte.

Como outrora disse Churchill: “Quando as circunstâncias se alteram, eu altero a minha opinião… e o senhor?” É tempo de o Estado português se modernizar. E que melhor oportunidade que o Orçamento de Estado para 2008 para iniciar esta reforma!"

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