quinta-feira, setembro 13, 2007

Ministério Público em alerta geral

A partir de sábado mudam regras essenciais do Código de Processo Penal, instrumento legal decisivo para regular a investigação criminal. Polícias, Ministério Público e Tribunais têm de lidar com uma nova lei com implicações nos prazos dos inquéritos, na prisão preventiva, nas escutas telefónicas, no segredo de justiça e em muitos outros aspectos da lei. Há vantagens mas as críticas são muitas.

Milhares de processos estão a ser recolhidos pelo Ministério Público para requerer aos tribunais o segredo de Justiça. A dois dias da entrada em vigor das novas leis penais – Lei de Política Criminal, Código Penal e Código de Processo Penal (CPP) –, os magistrados multiplicam-se em reuniões para tentar minimizar o impacto dos novos códigos, que dizem ser praticáveis só nos casos dos crimes de bagatelas e contrários à protecção das investigações complexas.

“Haverá noção de quanto tempo demora usualmente uma perícia financeiro-contabilística, balística ou caligráfica?”, interroga o director do DIAP de Coimbra, Euclides Dâmaso. “Os casos de terrorismo, por exemplo, demoram muito tempo a investigar. A certa altura, podemos ter o terrorista a trabalhar connosco no processo. Felizmente não há terrorismo em Portugal, por enquanto...”, alerta Cândida Almeida, directora do DCIAP.

“É preciso ter em conta os fenómenos de criminalidade diferenciada. Os crimes económicos são por definição mais morosos a investigar e os prazos que o CPP impõe não são realistas neste tipo de crime”, considera também Maria José Morgado. A directora do DIAP de Lisboa admite que a imposição de prazos tem um lado bom “porque os processos não se fizeram para ser eternos”, mas alerta que “sem sistema informático com funcionalidades plenamente integradas, sem bases de dados é uma aventura”. "Ninguém sabe verdadeiramente o que vai acontecer”, acrescenta.

Já Cândida Almeida diz ainda que “o grande problema” está no do CPP, “que não protege os interesses fundamentais de uma sociedade democrática”. “No caso da criminalidade grave, é uma utopia pensar que sem mudar nada nos meios nós conseguimos cumprir prazos peremptórios”, diz a magistrada, secundada por Euclides Dâmaso e por Morgado. “Se a justiça portuguesa tivesse um paradigma de desmaterialização, seria mais fácil, mas o que existe é o domínio do papel e agora isso vai agravar-se devido aos prazos, à imposição de verificar antecedentes criminais, ou seja, às múltiplas exigências com carácter imperativo”, explica a procuradora que coordenou o processo ‘Apito Dourado’.

A principal crítica de Dâmaso vai para a “total e inédita inversão do regime tradicional de segredo de justiça na fase de investigação e a redução dos prazos do inquérito em termos não consentâneos com a capacidade de resposta das autoridades judiciárias”. Em causa está o facto de os arguidos, assistentes ou ofendidos poderem consultar o processo após 18 meses do início das diligências, tenha o Ministério Público concluído ou não a investigação.

“A criminalidade mais grave, económico-financeira e homicídio, não se compadece com prazos curtos. Não vamos conseguir fazer uma investigação que leve à condenação”, prevê Cândida Almeida, explicando que nos casos que implicam cooperação internacional não poderá pedir a outro país que dê “prioridade” às suas cartas rogatórias, porque os prazos em Portugal são mais curtos. “É um modelo que vai em contraciclo com as tendências predominantes na Europa e, receio, à revelia do aumento do crime grave e organizado que é esperável”, explica o director do DIAP de Coimbra. “Vamos um pouco ao arrepio do que está a acontecer na Europa”, diz também Maria José Morgado, considerando que no novo modelo “é desvalorizada a intervenção da acusação, representada pelo MP”.

VANTAGENS

- Clarificação do regime de escutas telefónicas, apesar da existência de muitas condicionantes

- Maior amplitude do regime de suspensão provisória do processo e processos especiais

- Reconhecimento da necessidade de reformar

DESVANTAGENS

- Inversão do regime de segredo de justiça na fase de investigação

- Redução dos prazos do inquéritos, não consentâneos com a capacidade de resposta das autoridades

- A possibilidade de reabertura de audiências, mesmo após trânsito em julgado da condenação

CONTRA

EUCLIDES DÂMASO

- Para o director do DIAP de Coimbra, o novo modelo só é aplicável em casos de criminalidade bagatelar.

MARIA JOSÉ MORGADO

- A directora do DIAP de Lisboa diz que os novos prazos não são realistas para o crime económico.

CÂNDIDA ALMEIDA

- A directora do DCIAP diz que o novo Código de Processo Penal não protege os interesses de uma sociedade democrática.

A FAVOR

CAVACO SILVA

- O Presidente da República deu luz verde a todos os diplomas penais alterados por decisão do Governo.

ALBERTO COSTA

- O ministro da Justiça sempre defendeu a actual reforma e reagiu às críticas, acusando os sindicatos de se oporem ao interesse público.

RUI PEREIRA

- O actual ministro da Administração Interna coordenou a extinta Unidade de Missão para a Reforma Penal.

NOVAS LEIS ALIVIAM PRISÕES

O novo regime de prisão preventiva, com prazos mais curtos, vai obrigar à libertação de centenas de presos: 246 diz o ministro da Justiça, 346 estima a PJ.

Além do novo regime de preventiva, que só poderá ser aplicada a crimes dolosos com penas superiores a cinco anos de cadeia, o novo Código de Processo Penal permite ainda que arguidos já condenados e com sentença transitada em julgado possam pedir a reabertura da audiência para aplicação de lei mais favorável. “Com a prolixidade e a flutuação legislativa actuais vai ser bonito...”, prevê Euclides Dâmaso, que classifica como ”surpreendente” o artigo 371.º A do novo Código de Processo Penal.

FÁTIMA MATA-MOUROS FALA EM "MEDIDAS PANFLETÁRIAS" (juíza do tribunal central de "(...)instrução(...)" criminal)

Fátima Mata-Mouros imagina uma situação de perseguição a uma organização criminosa de contrabandistas em plena actividade de tráfico: os polícias podem escutá-los em directo, mas não podem localizá-los, porque a localização celular, de futuro, só poderá ser autorizada pelo juiz quando houver perigo para a vida ou integridade física grave. Será que o legislador pensou que bastaria aos polícias invocar o “alerta impresso nos maços de tabaco com os dizeres ‘Fumar Mata’ para levar os juízes a considerarem o crime de contrabando como gerador de perigo para a vida?”, ironiza a juíza do tribunal central de investigação criminal, para dar um exemplo de “precipitação legislativa” dos muitos que detectou.

“De entre as medidas mais panfletárias desta reforma contam-se as concernentes às escutas, aos interrogatórios e às detenções”, considera Mata-Mouros que, apesar de entender que o objectivo do legislador “é conter excessos”, diz que as “soluções propostas suscitam questões graves que ficam por responder”.

“A nova lei limita a possibilidade de detenção (fora de flagrante delito) às situações em que haja razões para crer que o visado se não apresentaria espontaneamente. Trata-se de uma medida completamente desajustada para a criminalidade grave. Como prevenir a continuação da actividade das organizações criminosas?”, volta a questionar a juíza.

Ao mesmo tempo, Fátima Mata-Mouros estranha que no caso das escutas a lei vá além do que é exigido e “normalmente autorizado nos tribunais portugueses”: é fixado um prazo máximo de 90 dias para a duração das escutas. “Acontece que este prazo excede em muito o tempo de duração normalmente autorizado – de 30 dias, excepcionalmente de 60.”

Para Fátima Mata-Mouros, o ponto positivo da reforma é o “reconhecimento da necessidade de reformar”, embora conclua que “não há verdadeira reforma: Continuaremos a ouvir os investigadores reclamarem por mais eficácia e os magistrados por mais meios, e não faltará muito para que também os advogados se juntem ao coro dos críticos. Logo que a aplicação da lei descubra a mera aparência da reforma”.

NOTAS

PROCURADORIA ENTUPIDA

A PGR terá nos próximos tempos de apreciar cerca de 40 mil ofícios relativos aos processos em atraso em todo o País. Segundo o novo CPP, a violação dos prazos no inquérito terá de ser comunicada à PGR

FIM DO SEGREDO NA INVESTIGAÇÃO

Findos os prazos previstos no artigo 276 para a conclusão do inquérito, oito, dez ou 12 meses – salvo excepcional prorrogação –, os arguidos poderão consultar todos os elementos do processo

LEIS EM VIGOR AO SÁBADO

As novas leis entram em vigor no próximo sábado, dia 15. Esta situação poderá trazer problemas nos tribunais de turno em caso de haver detenções. Os novos diplomas penais ainda não estão compilados

Por Ana Luísa Nascimento / Eduardo Dâmaso, in
Correio da Manhã.

1 comentário:

Anónimo disse...
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