quarta-feira, setembro 05, 2007

Procuradoria corre risco de colapso

São neste momento 22 543 os processos pendentes no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, 9021 dos quais já há mais de oito meses, apurou o CM.


No novo Código de Processo Penal está prevista a apreciação na Procuradoria-Geral da República (PGR) de todos estes casos que, multiplicados por todo o País, “vão entupir e podem mesmo levar a um colapso” da própria PGR, alertam fontes judiciais.

Mas estes 9021 processos automaticamente “atrasados” vão também ocupar os próximos meses de todos os procuradores do Ministério Público no DIAP de Lisboa. Basta pensar que cada um terá inevitavelmente centenas de processos em atraso, “a maioria até por imperativos da própria investigação” – e, por cada um destes inquéritos, terá de fazer um ofício, a justificar-se pelo atraso, dirigido primeiro à PGR, depois ao(s) arguido(s) e, por fim, ao(s) seu(s) advogado(s). “Inconcebível”, diz um magistrado ao Correio da Manhã.

Feitas as contas, “só do DIAP de Lisboa sairão cerca de 27 mil notificações, números calculados até muito por baixo”, tendo em conta um único arguido por caso.

O artigo 276 do novo Código de Processo Penal não deixa dúvidas, com entrada imediata em vigor – e isto leva os serviços da PGR, “num contexto nacional, a receberem e terem de apreciar nos próximos meses mais de 40 mil ofícios”, para eventuais acelerações processuais.

Prevê-se assim “o entupimento e colapso nos DIAP de Lisboa e Porto” – cujos números só serão conhecidos nos próximos dias – e até da própria PGR. Isto além do “descontentamento generalizado dentro do Ministério Público, com os bons procuradores a passarem por relapsos. É uma utopia do Governo, sem ter em conta que os atrasos se devem a questões técnicas e à falta de meios na investigação. No Laboratório de Polícia Científica, por exemplo, algumas perícias chegam a demorar quase dois anos”, acrescenta a mesma fonte.

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ALBERTO COSTA DESVALORIZA CRÍTICAS ÀS NOVAS LEIS PENAIS

O ministro da Justiça, Alberto Costa, garante que a nova legislação vai avançar, apesar da polémica em torno da norma do Código de Processo Penal que, entre outras coisas, não permite aos jornalistas a publicação de escutas sem autorização dos implicados, mesmo que já não estejam em segredo de justiça.

Alberto Costa reafirmou ontem de manhã, no Fórum TSF, que as escutas são um meio excepcional de investigação e renovou argumentos na defesa da nova legislação. “Não é possível confundir a aplicação da Justiça com uma espécie de ‘voyeurismo’ que muitas vezes acompanha a reprodução extensiva de conversações privadas”, disse o ministro da Justiça.

“Nós queremos uma sociedade onde os valores democráticos e constitucionais sejam cultivados numa correlação adequada, sem sacrificar a vida privada. Queremos uma sociedade onde a liberdade de informar esmague a reserva da vida privada ou queremos uma sociedade onde haja um justo equilíbrio?”, questionou igualmente Alberto Costa.

Por sua vez, Rogério Alves, bastonário da Ordem dos Advogados, apoiou a entrada em vigor da nova legislação, mas com reservas. “O que for considerado estruturante para a decisão, seja de absolver ou condenar, e que esteja mencionado na sentença, deverá poder ser divulgado”, defende o bastonário.

Rogério Alves diz que “aquilo que não foi considerado útil nem necessário (para a sentença do arguido) não deve ser divulgado, pois é preciso ser eficaz a descobrir a verdade mas manter a honra e a reserva da vida privada das pessoas”.

Certo é que com a publicação das novas leis nos últimos dias, que permitiu conhecer as versões finais dos diplomas, os magistrados reiteram as críticas às alterações e alertam para graves consequências na Justiça. A Lei de Política Criminal é a que merece mais críticas, mas as restrições nas escutas e nos prazos de prisão preventiva também estão a preocupar os operadores judiciários.

"É O MULTIPLICAR DE DILIGÊNCIAS INÚTEIS"

António Cluny, presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, não tem dúvidas: a obrigação de os magistrados participarem a várias entidades os atrasos dos processos só vai burocratizar ainda mais o sistema judicial.

“É o multiplicar do número de diligências inúteis”, diz Cluny ao CM, garantindo que o controlo dos processos pendentes já era feito através de mapas enviados aos procuradores distritais. “A obrigatoriedade de participar estas situações é uma forma de canalizar o esforço dos funcionários para as diligências inúteis. Isto é uma brincadeira, um capricho burocrático.”

António Cluny vai ainda mais longe e deixa a acusação: “Este Código de Processo Penal não é só um conjunto de más técnicas legislativas. Revela preocupações de outra natureza, nem sempre muito claras, mas algumas suficientemente entendíveis.” O presidente do dirigente sindical diz ainda que “magistrados e polícias vão estar enredados em questões burocráticas”.

INVESTIGAÇÃO EM NÚMEROS

22543 processos neste momento pendentes no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

9021 inquéritos parados há mais de oito meses no DIAP de Lisboa, que agora serão apreciados pela Procuradoria.

40000 ofícios, respectivos ao mesmo número de processos atrasados no País todo há mais de oito meses, são esperados na PGR nos próximos meses.

2 anos é o tempo que o Ministério Público espera às vezes por perícias para os inquéritos avançarem.

276 é o artigo do Código de Processo Penal que prevê a obrigação de a PGR analisar os processos parados há oito meses.

NOTAS

ESTUDAR O CÓDIGO


De norte a sul do País, magistrados e polícias marcam reuniões para estudar a aplicação do novo Código de Processo Penal.

AUMENTO DA BUROCRACIA

A entrada em vigor do novo Código de Processo Penal vai aumentar a burocracia, o que pode provocar novos bloqueios.

POUCO TEMPO PARA ESTUDAR

Magistrados e polícias queixam-se do pouco tempo que lhes foi dado para estudarem a nova legislação.

Por Henrique Machado/Tânia Laranjo, in Correio da Manhã
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