A norma do novo Código de Processo Penal (CPP) que proíbe a divulgação, por qualquer meio, de escutas telefónicas integradas em processos judiciais sem o consentimento dos escutados apanhou quase toda a gente de surpresa: juristas, juízes, políticos que estiveram envolvidos no pacto para a justiça e mesmo muitos deputados que não estiveram envolvidos na redacção do novo Código.
Ao que tudo indica, o Governo enviou uma versão do projecto, sem a norma em causa, para as entidades auscultadas em fase de consulta, e depois apresentou outra no Parlamento, já com a proibição de divulgação ali contida.
António Martins, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), afirmou ao PÚBLICO que o projecto sobre o qual esta estrutura se pronunciou não tinha a norma agora plasmada no número 4 do artigo 88º do CPP. "A ASJP deu parecer, em Outubro de 2006, sobre o projecto que saíu da Unidade de Missão para a Reforma Penal [presidida por Rui Pereira, actual ministro da Administração Interna] e não se pronunciou sobre este assunto porque esta norma não estava lá", afirmou António Martins.
O presidente da associação de juízes está convencido de que esta proibição - com a qual não concordam, nos termos em que está redigida - foi incluída na proposta de lei muito mais tarde. E recorda que, quando a ASJP foi ouvida sobre o assunto no Parlamento, a norma já estava incluída no projecto, e que só não se pronunciaram sobre ela por falta de tempo: "Havia cinco projectos em discussão", frisa.
Também o deputado Paulo Rangel se mostra surpreendido com a norma em causa.
Norma "surpreendente"
O ex-secretário de Estado da Justiça foi um dos negociadores, por parte do PSD, do acordo parlamentar para a reforma da justiça e garante que esta proibição nunca foi discutida. "Não havia nenhuma norma deste tipo nas propostas iniciais", afirmou Rangel ao PÚBLICO.
Paulo Rangel não acompanhou a discussão parlamentar do CPP, porque na altura se encontrava com o mandato suspenso. Mas apesar do PSD ter votado a favor do novo código, juntamente com o PS, não hesita em afirmar que a norma em causa é "surpreendente", até "contraditória com o sentido geral da reforma, que aponta para a limitação do segredo de justiça". Em seu entender, a escuta, "ou é relevante para o processo e deve ser conhecida, ou não é e deve ser destruída, não deve ficar no processo". Mais: em seu entender, esta é uma norma datada: "Parece desenhada para o processo Casa Pia".
PCP "compreende"
Certo é que a proibição de escutas telefónicas sem a autorização dos intervenientes já aparece na proposta de lei do Governo quando esta dá entrada no Parlamento, nas vésperas do Natal do ano passado (20 de Dezembro, numa altura de interrupção dos trabalhos parlamentares). E passou completamente despercebida nos debates parlamentares sobre o CPP, pelo menos nas sessões públicas sobre este.
Na especialidade, o código foi entregue a um grupo de trabalho, cujas sessões decorreram à porta fechada, mas os intervenientes não se recordam de nenhuma discussão relevante sobre o assunto, ao contrário das normas específicas sobre o segredo de justiça. "O assunto foi relativamente pacífico", afirma Ricardo Rodrigues, coordenador do grupo de trabalho pelo PS e o deputado mais directamente envolvido no CPP. Que, no entanto, não se recorda como surgiu a norma na proposta de lei.
Pelo PSD, o "negociador" foi Montalvão Machado, que ontem não se encontrava disponível para falar com o PÚBLICO. E pelo CDS, foi Nuno Melo, que no entanto não teve oportunidade de participar na reunião em que se discutiu o segredo de justiça, desconhecendo o assunto em causa.
Pelo PCP, que votou contra o CPP, João Oliveira até nem vê motivos para uma grande oposição à norma em causa. "As escutas telefónicas implicam uma devassa da reserva da intimidade, é um meio de prova de enorme gravidade. Se a partir do momento em que cessa o segredo de justiça o processo passa a ser público, pode justificar-se que o acesso às escutas deva ser restrito, para garantir a reserva da intimidade", explica. "Compreendo a ponderação de interesses nesta matéria".
Só o Bloco de Esquerda revela uma forte oposição à proibição de transcrição de escutas contidas em processos, mesmo fora de segredo de justiça."Trata-se de uma norma absurda, que não faz qualquer sentido, é contra a transparência e o direito a ser informado", considera Luís Fazenda, líder parlamentar e membro do grupo de trabalho. Apesar da sua oposição, a par de muitos juristas, não vê grande margem de manobra para qualquer alteração à lei. "O CPP tão cedo não terá revisões, é filho de um pacto entre os dois maiores partidos", frisa. E foi promulgado sem hesitações pelo Presidente da República.
Por Leonete Botelho com Paula Torres de Carvalho, in PUBLICO.PT.
Ao que tudo indica, o Governo enviou uma versão do projecto, sem a norma em causa, para as entidades auscultadas em fase de consulta, e depois apresentou outra no Parlamento, já com a proibição de divulgação ali contida.
António Martins, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), afirmou ao PÚBLICO que o projecto sobre o qual esta estrutura se pronunciou não tinha a norma agora plasmada no número 4 do artigo 88º do CPP. "A ASJP deu parecer, em Outubro de 2006, sobre o projecto que saíu da Unidade de Missão para a Reforma Penal [presidida por Rui Pereira, actual ministro da Administração Interna] e não se pronunciou sobre este assunto porque esta norma não estava lá", afirmou António Martins.
O presidente da associação de juízes está convencido de que esta proibição - com a qual não concordam, nos termos em que está redigida - foi incluída na proposta de lei muito mais tarde. E recorda que, quando a ASJP foi ouvida sobre o assunto no Parlamento, a norma já estava incluída no projecto, e que só não se pronunciaram sobre ela por falta de tempo: "Havia cinco projectos em discussão", frisa.
Também o deputado Paulo Rangel se mostra surpreendido com a norma em causa.
Norma "surpreendente"
O ex-secretário de Estado da Justiça foi um dos negociadores, por parte do PSD, do acordo parlamentar para a reforma da justiça e garante que esta proibição nunca foi discutida. "Não havia nenhuma norma deste tipo nas propostas iniciais", afirmou Rangel ao PÚBLICO.
Paulo Rangel não acompanhou a discussão parlamentar do CPP, porque na altura se encontrava com o mandato suspenso. Mas apesar do PSD ter votado a favor do novo código, juntamente com o PS, não hesita em afirmar que a norma em causa é "surpreendente", até "contraditória com o sentido geral da reforma, que aponta para a limitação do segredo de justiça". Em seu entender, a escuta, "ou é relevante para o processo e deve ser conhecida, ou não é e deve ser destruída, não deve ficar no processo". Mais: em seu entender, esta é uma norma datada: "Parece desenhada para o processo Casa Pia".
PCP "compreende"
Certo é que a proibição de escutas telefónicas sem a autorização dos intervenientes já aparece na proposta de lei do Governo quando esta dá entrada no Parlamento, nas vésperas do Natal do ano passado (20 de Dezembro, numa altura de interrupção dos trabalhos parlamentares). E passou completamente despercebida nos debates parlamentares sobre o CPP, pelo menos nas sessões públicas sobre este.
Na especialidade, o código foi entregue a um grupo de trabalho, cujas sessões decorreram à porta fechada, mas os intervenientes não se recordam de nenhuma discussão relevante sobre o assunto, ao contrário das normas específicas sobre o segredo de justiça. "O assunto foi relativamente pacífico", afirma Ricardo Rodrigues, coordenador do grupo de trabalho pelo PS e o deputado mais directamente envolvido no CPP. Que, no entanto, não se recorda como surgiu a norma na proposta de lei.
Pelo PSD, o "negociador" foi Montalvão Machado, que ontem não se encontrava disponível para falar com o PÚBLICO. E pelo CDS, foi Nuno Melo, que no entanto não teve oportunidade de participar na reunião em que se discutiu o segredo de justiça, desconhecendo o assunto em causa.
Pelo PCP, que votou contra o CPP, João Oliveira até nem vê motivos para uma grande oposição à norma em causa. "As escutas telefónicas implicam uma devassa da reserva da intimidade, é um meio de prova de enorme gravidade. Se a partir do momento em que cessa o segredo de justiça o processo passa a ser público, pode justificar-se que o acesso às escutas deva ser restrito, para garantir a reserva da intimidade", explica. "Compreendo a ponderação de interesses nesta matéria".
Só o Bloco de Esquerda revela uma forte oposição à proibição de transcrição de escutas contidas em processos, mesmo fora de segredo de justiça."Trata-se de uma norma absurda, que não faz qualquer sentido, é contra a transparência e o direito a ser informado", considera Luís Fazenda, líder parlamentar e membro do grupo de trabalho. Apesar da sua oposição, a par de muitos juristas, não vê grande margem de manobra para qualquer alteração à lei. "O CPP tão cedo não terá revisões, é filho de um pacto entre os dois maiores partidos", frisa. E foi promulgado sem hesitações pelo Presidente da República.
Por Leonete Botelho com Paula Torres de Carvalho, in PUBLICO.PT.
Sem comentários:
Enviar um comentário