sexta-feira, setembro 14, 2007

UMA MÁ NOTÍCIA EM FORMA DE LEI

Por João Marcelino
Director
Diário de Notícias

"A proibição de transcrição de escutas já não abrangidas pelo segredo de justiça, ou mesmo até pertencendo a processos com sentenças transitadas em julgado, é uma má notícia para a Democracia. Não ajuda a melhorar a relação dos cidadãos com a Justiça. Vai induzir um jornalismo "habilidoso", estimular o boato, e vai ainda ter como consequência um maior afastamento das pessoas dos órgãos de comunicação social, o que é péssimo para o exercício da cidadania.

O legislador parece não querer saber disso, mas as peças processuais em questão irão ser - é um palpite -, então criminosamente, divulgadas de outra forma, na Internet por exemplo, enquanto o jornalismo, em paralelo, recorrerá à produção de verdadeiras peças de teatro para levar aos leitores a compreensão quanto a vários processos e outras tantas sentenças.

Argumentam os defensores desta novidade vertida para o Código de Processo Penal (CPP) que ela defende a privacidade dos cidadãos envolvidos.

Não estou de acordo.

Os problemas neste âmbito têm decorrido de alguns processos terem sido construídos de forma incompetente e contendo escutas absolutamente irrelevantes, essas sim ofendendo o bom nome de pessoas (lembremos a miserável carta anónima a envolver o então presidente Jorge Sampaio no processo Casa Pia, e que o juiz Rui Teixeira achou relevante arquivar junto aos autos). Se assim não fosse, se todos os documentos fizessem sentido para a investigação e produção da sentença, eles poderiam ser compreendidos e interpretados no final dos processos, com apenas o prejuízo para o bom nome e a honra que as próprias acções praticadas determinassem.

Cometeram os jornais erros e alguns enveredaram por um verdadeiro voyeurismo de mau gosto? É verdade. Mas o que será pior: o excesso, que a Democracia tem sabido digerir, promovendo até a melhor compreensão do trabalho judicial; ou a ignorância, que mina, desacredita e afasta?

A verdade de tudo isto é que o Poder, o político mas também o judicial, continua a querer transferir para os media a regulação que é incapaz de promover, e de que o exemplo mais extremo são as constantes violações ao segredo de justiça.

No limite, o que este novo código penal dispõe nesta matéria é mais um passo no sentido de constituir o jornalista como garante dos tribunais passe-vite. Tudo pode continuar a ser devassado a partir de dentro. Pouco, ou nada, deve ser divulgado cá fora.

Para terminar: o DN, como jornal, obviamente, vai cumprir a lei determinada neste artigo 88, número 4, do CPP.

O jornalismo, em paralelo, deve lutar para que este ponto seja ultrapassado em sede de uma próxima revisão.

Até que isso aconteça, o leitor só em condições excepcionais, por extrema deferência dos próprios ou amável benevolência do juiz, tomará conhecimento de peças como aquelas que publicamos nestas mesmas páginas.

Vale a pena reflectir sobre isto."

Sem comentários: