Por João Marcelino
Director Diário de Notícias
"A proibição de transcrição de escutas já não abrangidas pelo segredo de justiça, ou mesmo até pertencendo a processos com sentenças transitadas em julgado, é uma má notícia para a Democracia. Não ajuda a melhorar a relação dos cidadãos com a Justiça. Vai induzir um jornalismo "habilidoso", estimular o boato, e vai ainda ter como consequência um maior afastamento das pessoas dos órgãos de comunicação social, o que é péssimo para o exercício da cidadania.
O legislador parece não querer saber disso, mas as peças processuais em questão irão ser - é um palpite -, então criminosamente, divulgadas de outra forma, na Internet por exemplo, enquanto o jornalismo, em paralelo, recorrerá à produção de verdadeiras peças de teatro para levar aos leitores a compreensão quanto a vários processos e outras tantas sentenças.
Argumentam os defensores desta novidade vertida para o Código de Processo Penal (CPP) que ela defende a privacidade dos cidadãos envolvidos.
Não estou de acordo.
Os problemas neste âmbito têm decorrido de alguns processos terem sido construídos de forma incompetente e contendo escutas absolutamente irrelevantes, essas sim ofendendo o bom nome de pessoas (lembremos a miserável carta anónima a envolver o então presidente Jorge Sampaio no processo Casa Pia, e que o juiz Rui Teixeira achou relevante arquivar junto aos autos). Se assim não fosse, se todos os documentos fizessem sentido para a investigação e produção da sentença, eles poderiam ser compreendidos e interpretados no final dos processos, com apenas o prejuízo para o bom nome e a honra que as próprias acções praticadas determinassem.
Cometeram os jornais erros e alguns enveredaram por um verdadeiro voyeurismo de mau gosto? É verdade. Mas o que será pior: o excesso, que a Democracia tem sabido digerir, promovendo até a melhor compreensão do trabalho judicial; ou a ignorância, que mina, desacredita e afasta?
A verdade de tudo isto é que o Poder, o político mas também o judicial, continua a querer transferir para os media a regulação que é incapaz de promover, e de que o exemplo mais extremo são as constantes violações ao segredo de justiça.
No limite, o que este novo código penal dispõe nesta matéria é mais um passo no sentido de constituir o jornalista como garante dos tribunais passe-vite. Tudo pode continuar a ser devassado a partir de dentro. Pouco, ou nada, deve ser divulgado cá fora.
Para terminar: o DN, como jornal, obviamente, vai cumprir a lei determinada neste artigo 88, número 4, do CPP.
O jornalismo, em paralelo, deve lutar para que este ponto seja ultrapassado em sede de uma próxima revisão.
Até que isso aconteça, o leitor só em condições excepcionais, por extrema deferência dos próprios ou amável benevolência do juiz, tomará conhecimento de peças como aquelas que publicamos nestas mesmas páginas.
Vale a pena reflectir sobre isto."
Director Diário de Notícias
"A proibição de transcrição de escutas já não abrangidas pelo segredo de justiça, ou mesmo até pertencendo a processos com sentenças transitadas em julgado, é uma má notícia para a Democracia. Não ajuda a melhorar a relação dos cidadãos com a Justiça. Vai induzir um jornalismo "habilidoso", estimular o boato, e vai ainda ter como consequência um maior afastamento das pessoas dos órgãos de comunicação social, o que é péssimo para o exercício da cidadania.
O legislador parece não querer saber disso, mas as peças processuais em questão irão ser - é um palpite -, então criminosamente, divulgadas de outra forma, na Internet por exemplo, enquanto o jornalismo, em paralelo, recorrerá à produção de verdadeiras peças de teatro para levar aos leitores a compreensão quanto a vários processos e outras tantas sentenças.
Argumentam os defensores desta novidade vertida para o Código de Processo Penal (CPP) que ela defende a privacidade dos cidadãos envolvidos.
Não estou de acordo.
Os problemas neste âmbito têm decorrido de alguns processos terem sido construídos de forma incompetente e contendo escutas absolutamente irrelevantes, essas sim ofendendo o bom nome de pessoas (lembremos a miserável carta anónima a envolver o então presidente Jorge Sampaio no processo Casa Pia, e que o juiz Rui Teixeira achou relevante arquivar junto aos autos). Se assim não fosse, se todos os documentos fizessem sentido para a investigação e produção da sentença, eles poderiam ser compreendidos e interpretados no final dos processos, com apenas o prejuízo para o bom nome e a honra que as próprias acções praticadas determinassem.
Cometeram os jornais erros e alguns enveredaram por um verdadeiro voyeurismo de mau gosto? É verdade. Mas o que será pior: o excesso, que a Democracia tem sabido digerir, promovendo até a melhor compreensão do trabalho judicial; ou a ignorância, que mina, desacredita e afasta?
A verdade de tudo isto é que o Poder, o político mas também o judicial, continua a querer transferir para os media a regulação que é incapaz de promover, e de que o exemplo mais extremo são as constantes violações ao segredo de justiça.
No limite, o que este novo código penal dispõe nesta matéria é mais um passo no sentido de constituir o jornalista como garante dos tribunais passe-vite. Tudo pode continuar a ser devassado a partir de dentro. Pouco, ou nada, deve ser divulgado cá fora.
Para terminar: o DN, como jornal, obviamente, vai cumprir a lei determinada neste artigo 88, número 4, do CPP.
O jornalismo, em paralelo, deve lutar para que este ponto seja ultrapassado em sede de uma próxima revisão.
Até que isso aconteça, o leitor só em condições excepcionais, por extrema deferência dos próprios ou amável benevolência do juiz, tomará conhecimento de peças como aquelas que publicamos nestas mesmas páginas.
Vale a pena reflectir sobre isto."
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