sábado, setembro 15, 2007

Juízes e procuradores criticam a rápida entrada em vigor do novo Código

Hoje, sábado, com os tribunais fechados e sob um coro de críticas, entra em vigor o novo Código do Processo Penal (CPP) que estabelece as normas de aplicação da lei penal.

Três homens condenados, a cumprir penas de 14, 12 e 10 anos por violação e roubo vão ser soltos esta noite do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL). (...) A sua libertação, à meia-noite de hoje, é um exemplo que resulta da aplicação do novo Código, num dos pontos que mais polémica tem provocado.

A alteração que determina a aplicação da prisão preventiva a crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a cinco anos em vez de três vai obrigar os magistrados que estiverem hoje de turno a concentrar-se nos processos com arguidos presos e a despachar os que, por força das novas regras, resultam na sua libertação ou permanência na cadeia.

É um dos problemas referidos pelos juízes, quanto à entrada em vigor do CPP, diz ao PÚBLICO, António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP).

A eventualidade da libertação de considerável número de presos preventivos, em consequência da aplicação do Código, foi também abordada durante uma mega-reunião, realizada na Procuradoria-Geral da República (PGR), na quinta-feira, com os mais altos representantes do Ministério Público. A este propósito, o procurador-geral Pinto Monteiro referiu, numa nota que emitiu sobre a reunião, uma primeira dificuldade: "Por falta de meios tecnológicos, designadamente uma base de dados capaz, não é possível apurar de imediato quais as pessoas sujeitas a medidas de coacção privativas ou limitativas da liberdade." Por isso, a PGR comunicou aos magistrados do Ministério Público que solicitassem "informações à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e à Direcção-Geral de Reinserção Social, além de outros meios de informação de que possam dispor".

Magistrados apreensivos

Ontem, a direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) também manifestou, em comunicado, a sua apreensão com o facto de, "nos processos com perigosos arguidos presos" estes tenham de "ter libertação imediata antes do julgamento ou mesmo no seu decurso".

Este é apenas um dos aspectos da lei que, num pequeno período de 15 dias, o mais curto já estabelecido para uma reforma, terá de ser adaptada à realidade penal existente.

A rapidez da passagem de um sistema para outro provocou críticas de quase todos os operadores judiciários. Este curto prazo "torna difícil a aplicação de algumas das normas inovadoras" do CPP, a par da "escassez de meios", considera Pinto Monteiro.

O problema é também referido no comunicado emitido, ontem, pela direcção do SMMP, que considera "incompreensível" o período de transição para aplicação do novo CPP, notando que "este estranhamente curto período - que contraria toda a tradição de política legislativa nesta matéria, impediu, na prática, as magistraturas e as polícias de tomarem medidas que acautelassem a finalização de investigações e julgamentos importantes".

Desvalorizando as críticas, o ministro da Justiça, Alberto Costa, lembra que a revisão do CPP "foi um processo amplamente debatido", disse aos jornalistas, ontem, em Coimbra, à saída da sessão de encerramento do curso sobre a Organização e Administração dos Tribunais. "Resulta da escolha da Assembleia da República", "obteve um amplo acordo parlamentar" e "está longe de ser uma surpresa", frisou, dizendo contar "inteiramente com o profissionalismo, a competência e a preparação dos magistrados do Ministério Público e dos juízes para o esforço adicional que uma nova legislação sempre requer".

PGR critica informática

Sem referir as reservas exprimidas pelo procurador, Alberto Costa frisou, ao intervir, que será criada "uma aplicação informática única para os magistrados do Ministério Público e também bases de dados agregadas, necessárias a uma eficaz gestão de meios, dos inquéritos, mandados de detenção, medidas de diversão e dispensa de pena".

No final da cerimónia, comentando as declarações do ministro, que mostrou confiança nos magistrados para "o esforço adicional" exigido pela nova legislação, o juiz António Martins, presidente ASJP, disse-se certo de que os magistrados "assumirão as suas responsabilidades de trabalhar o tempo necessário para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos sejam acautelados", mas contrapôs que, "embora a reforma tivesse sido anunciada, tem grandes consequências nos processos já pendentes". "Era de sensatez que houvesse um período de vacatio legis, um período de ponderação, que permitisse preparar a máquina judicial para as suas consequências", comentou.

Na reunião realizada na quinta-feira e que juntou os procuradores-gerais distritais, a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Cândida Almeida, os directores dos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) e todos os membros do seu gabinete, Pinto Monteiro procurou conseguir consenso, sem violar a lei, para a solução prática dos problemas que vão inevitavelmente surgir. Um dos principais prende-se com a necessidade de encontrar a melhor forma de aplicar uma nova norma que, no caso de atraso nos processos-crime, estabelece a obrigatoriedade de notificar todas as partes desse prazo excedido.

Atendendo a que, no país, há cerca de 50 mil processos-crime cujos prazos foram ultrapassados, os tribunais seriam fortemente mobilizados para notificar. As limitações informáticas ainda agravariam mais o problema, reduzindo a capacidade de resposta.

Pinto Monteiro, decidiu estabelecer prioridades: a lei será imediatamente aplicada e com "todo o rigor" aos processos que envolvam réus presos. Quanto aos mais antigos, será elaborada uma lista e determinado quais os processos cujos atrasos deverão ser participados em primeiro lugar.

No final da reunião de ontem, os magistrados do Ministério Público defenderam a necessidade de "vigiar e estudar a aplicação destas reformas" e propuseram "apoiar a criação de um Observatório Independente e Pluralista da Justiça Penal".

Por Paula Torres de Carvalho, Graça Barbosa Ribeiro, in
PUBLICO.PT

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