segunda-feira, junho 18, 2007

Leis mudam muito em Portugal

Para Rui Moura Ramos, muitas vezes, uma lei não tem tempo de provar se é boa ou má, dado que é imediatamente substituída por outra. Para o presidente do Tribunal Constitucional, tal facto resulta numa “sucessão de comandos jurídicos incompatíveis entre si ao longo do tempo”.

“Em Portugal temos muito a ideia que as coisas se resolvem mudando as leis, ou criando outras”, defende Rui Moura Ramos, presidente do Tribunal Constitucional (TC), em entrevista a O PRIMEIRO DE JANEIRO e seu suplemento JUSTIÇA & CIDADANIA. Aliás, acentue-se, a primeira grande troca de ideias com um órgão de Comunicação Social, desde que tomou posse há menos de dois meses.


Quanto à ideia inicial, o magistrado, que tem a função de presidir ao tribunal que analisa se as leis criadas pela Assembleia da República ou se as decisões dos diversos tribunais estão em conformidade com os preceitos constitucionais, acredita que, no nosso País, há “muita fé nas soluções legais e achamos que através delas se muda o mundo”. Mas, em sua opinião, “a realidade dificilmente se muda através de uma solução legal”. “Então, modificamos ou criamos uma lei para conseguir um certo resultado, mas não damos tempo para que esta mostre resultados e estamos logo a mudá-la novamente. Acabamos por ter uma sucessão de comandos jurídicos incompatíveis entre si ao longo do tempo e depois já não sabemos quais são os resultados de uns e de outros”, acrescenta Rui Moura Ramos.


Quanto ao facto de muitas vezes o TC ser chamado a pronunciar-se sobre uma lei criada pela Assembleia da República, o presidente desta órgão não acredita que exista uma qualquer má-fé quando um ou outro artigo possa conter algum tipo de inconstitucionalidade. “Na verdade, a Constituição tem tido sucessivas revisões e a lei pode ter sido elaborada num momento em que era conforme os preceitos constitucionais de então. Uma posterior alteração desses mesmos preceitos constitucionais pode depois ter ditado a sua inconstitucionalidade. Podem ser ainda desatenções ou, em alguns casos, uma débil cultura de constitucionalidade”, prefere acreditar Rui Moura Ramos.


Quanto à eventual carga política que eventualmente possa ser atribuída ao Tribunal Constitucional, o magistrado recorda que esta decorre do modo como são escolhidos os seus 13 membros – dez eleitos na Assembleia da República por uma maioria de dois terços e os outros três depois cooptados –, mas prefere por enfoque no facto das decisões tomadas serem sempre baseadas em preceitos jurídicos. “No fundo, os juízes são... juízes”, acrescenta.


Já no que diz respeito à preparação dos magistrados para analisarem e debaterem temas dos mais variados âmbitos que chegam ao Tribunal Constitucional – órgão com poderes mais alargados do que muitos dos seus congéneres europeus –, Rui Moura Ramos recorda que “importa não esquecer que o juiz apenas julga a conformidade da norma com a Constituição”. “Temos três secções e qualquer uma delas tem competência geral, tratando de qualquer questão de constitucionalidade. Se houver conflitos entre elas, estes podem ser arbitrados através de um recurso para o plenário”, explica.


Durante a longa entrevista que vai ser publicada na íntegra na próxima edição do JUSTIÇA & CIDADANIA, muitos foram os temas ainda abordados, nomeadamente a crise da justiça, não tendo o magistrado qualquer dúvida que “a justiça é um serviço público que o Estado não pode adjudicar a outros”.


Já no final, e quando em jeito de brincadeira foi solicitado que divulgasse a decisão sobre a Lei das Incompatibilidades para os deputados dos Açores e da Madeira, que há uma semana deu entrada no TC por alguns dos seus artigos terem suscitado dúvidas a Cavaco Silva, Rui Moura Ramos limitou-se a rir bem disposto e a dizer: “Há-de saber-se na altura certa”.

Por Paulo Tavares, in
O PRIMEIRO DE JANEIRO

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