quarta-feira, junho 06, 2007

Código de Processo Penal muda este ano

Constar como arguido num processo crime tornou-se um estigma social e, inclusive, limitativo de direitos cívicos. Por isso, o Governo, em consonância com o PSD, no âmbito do pacto para a justiça assinado em Setembro, vai alterar os critérios de atribuição daquele estatuto processual, no conjunto da reforma do Código de Processo Penal (CPP) em curso. As polícias vão perder a competência para realizar esse acto, passando a ser necessária, sempre, a validação do Ministério Público (MP). Por outro lado, as denúncias anónimas vão deixar de dar origem automática à abertura de inquéritos, excepto quando os indícios forem suficientemente claros.

As conotações negativas com o conceito de arguido e a facilidade com que esse estatuto é atribuído aos cidadãos têm vindo a suscitar preocupações entre os operadores judiciários. Ao ponto de, ontem - em entrevista ao Diário Económico - o procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, ter afirmado que "hoje, o País está cheio de arguidos inocentes". E, neste sentido, advogou a necessidade de alterações à lei, até porque, frisou, "para o homem médio, o arguido é culpado".

Nesta matéria, ninguém contesta Pinto Monteiro. E o problema nem sequer está na lei. Lembra Germano Marques da Silva, especialista em Direito Penal e um dos mentores da última revisão do CPP, que o estatuto do arguido foi criado para defender a pessoa (ver caixa ao lado). Mas, com o tempo, o seu significado foi-se desvirtuando. Começou-se a pensar: "onde há fumo, há fogo". Ou seja, "para o povo, ser arguido é quase sinónimo de ser irresponsável", frisou o professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica, para quem as alterações ao CPP agora propostas pelo Governo, pouco efeito terão.

Em seu entender, a constituição de arguido deveria acontecer, ou a pedido próprio, ou, então, numa fase em que o MP já estivesse de posse de indícios fortes da prática do crime. Para o início das investigações, advogou, deveria criar-se uma outra figura processual, talvez a de "testemunha qualificada" que possibilitasse à pessoa visada ir preparando a sua defesa.

Próximo desta tese está também o bastonário da Ordem dos Advogados. Para Rogério Alves, "hoje, a constituição de arguido é quase um direito putativo de qualquer cidadão sobre o outro, o que, atendendo à conotação super negativa do termo, transformou-se numa espécie de arma de arremesso com a qual se afecta o bom nome da pessoa".

Hoje, basta um queixa anónima, no MP ou num órgão de polícia criminal - PSP, GNR, PJ - para que alguém seja automaticamente constituído arguido. "Há um facilitismo gritante", diz o juiz desembargador Rui Rangel, lembrando que aquele estatuto surgiu para defender a pessoa de investigações obscuras. "Começou agora a existir uma perversão, um estigma social que está a servir, inclusive, para tirar consequências políticas", disse ao DN, frisando que entre 70 a 80 % das investigações têm origem em denúncias anónimas. "É preciso recuperar a dignidade processual da constituição de arguido", defendeu.

Este fenómeno sociológico, que subverteu por completo a concepção jurídica de arguido, esteve presente logo que se pensou em alterar o CPP. A reforma já foi aprovada na generalidade pela Assembleia da República (AR). Entrando em vigor - em princípio a 1 de Setembro - o MP só irá atribuir aquele estatuto processual se estiver de posse de indícios criminais claros. A maior parte das queixas anónimas vão ter como destino o caixote do lixo. Esta alteração resulta da pressão dos advogados, sobretudo no período pós processo Casa Pia.
Por Licínio Lima, in DN Online.

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