domingo, maio 20, 2007

Tribunal de Menores do Porto com mais 32% de processos por ano

Cada juiz do Tribunal de Menores do Porto tem em média 800 processos por ano para analisar. O Governo quer reduzir dois juízos neste tribunal o que poderá acarretar ainda mais demoras na resolução de alguns processos.

Extinção e criação de varas e juízos de vários tribunais de competência especializada, nomeadamente nos de Família e Menores. Concretamente, as mudanças terão lugar no Porto e Lisboa – onde deverão ser extintos dois quadros, na Invicta, e extinto o 4.º Juízo em Lisboa –, Almada – com a criação de um tribunal desta especialidade, implicando a redução da pressão dos processos entrados no Tribunal de Família e Menores do Seixal. Haverá ainda lugar para a criação do 3.º Juízo em Cascais e o 2.º em Vila Franca de Xira. O Governo prepara mudanças na Justiça. Em duas fases. A curto prazo aguarda-se a publicação das medidas resultantes do Programa de Medidas Urgentes para a Melhoria da Resposta Judicial e a longo prazo está a ser pensada a reforma do mapa judiciário. E nenhuma tem sido pacífica. Consensos só mesmo na necessidade de reformas… As anuências não vão muito além. A mudança que ainda está em análise (a da reforma do mapa judiciário) não deverá avançar antes de 2008 e, mesmo assim, apenas em circunscrições-piloto para aferir os resultados, estendendo-se posteriormente a todo o território nacional.

Mas o Executivo considera que “o estado actual da nossa resposta judicial e a necessidade de obter resultados em prazo mais curto” impõem a tomada de medidas de urgência, com especial incidência nas áreas de maior concentração processual. Com vista a encontrar uma solução que não interfira com as futuras mudanças, foi feito um diagnóstico junto dos diversos operadores judiciários. Esta mudança, cuja publicação em «Diário da República» é aguardada, depois de ter sido aprovada em Conselho de Ministros no passado dia 10, assenta no Programa de Medidas Urgentes para a Melhoria da Resposta Judicial (que se iniciou em Janeiro deste ano). A este PMUMRJ, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) chama “Programa MAU, de Medidas Avulsas Urgentes”. Uma vez que – explicou António Martins – “tem pontos preocupantes”. E já que a conversa tinha os tribunais de Família e Menores como pano de fundo, o juiz desembargador referiu-se ao tipo de casos que ali se julgam para considerar o programa do Executivo tão severamente.

Atenção especial

São tribunais de competência especializada e como em todos os tribunais de especialidade estão vocacionados para determinadas situações concretas. Estes, em especial, por tratarem de situações de família e menores, requerem especiais atenções por tratarem de “pessoas e não de números”. António Martins especificou os casos afectos a cada uma das vertentes, que desde 1999 foram juntas num só tribunal. Os que respeitam à família são divórcios litigiosos (que poderão acabar por encontrar um consenso sem necessidade de avançar para julgamento) e regulamentação do poder paternal, como a entrega de menores à guarda dos pais e determinação de pensões de alimento. E ainda “questões de adopção”. Conversando com O PRIMEIRO DE JANEIRO, o juiz desembargador e presidente da ASJP explicou ainda que as adopções passam para a tutela do tribunal de Família e Menores a partir da fase judicial. “O pedido é feito à Segurança Social e depois deste organismo determinar que os candidatos podem seguir para a adopção provisória, o pedido dá entrada no tribunal”, especificou. A área de menores já respeita a menores em risco – abandonados pelos familiares ou para aplicação de medidas para diminuição de riscos – e menores de 16 anos com comportamentos criminais e ilícitos – susceptíveis de processos de responsabilidade tutelar desde a aplicação de medidas de admoestação até ao internamento em centros educativos.
Apesar de reconhecer a legitimidade de cada pessoa achar que “o seu processo é o mais importante e merece a maior atenção e um desfecho rápido”, António Martins insistiu na natureza dos processos que chegam a estes tribunais: “Falamos de matéria humana, não falamos de números”. E nessa circunstância – reforçou – “é necessário que haja rapidez na resolução, sob pena de a resposta chegar tarde e a más horas”. E foi mais longe, exemplificando com uma criança em risco que – disse – “não pode esperar uma acção demorada, com diligências que demorem por falta de recursos”. É do interesse da criança – e é este que deve prevalecer – “que sejam pensadas condições que proporcionem capacidade de resposta muito célere”. E, naturalmente, lembrou que “a capacidade de resposta depende do número de processos e pessoas a trabalhar”. E exemplificou. Recorreu ao Tribunal de Família e Menores do Porto que tem vindo a dar resposta atempada, garantindo que tal deixará de acontecer se avançar a diminuição de nove para sete juízes. Porque – realçou – “o número de entradas tem vindo a aumentar”.

E, por isso, “defendemos que os tribunais de Família e Menores tenham capacidade de resposta em todo o País”, o que não acontece. Fazendo com que, em determinadas zonas, “os casos de Família e Menores sejam avaliados pelos tribunais de comarca”, ao lado dos outros processos (como os cíveis e criminais). E neste sentido, não obstante não se saber grande coisa sobre a reforma de fundo que o Governo prepara, a associação presidida por António Martins defende “a cada vez maior especialização”, considerando que o plano de criar uma rede de tribunais desta especialidade seja já incluído nas pretensões governamentais de longo prazo. Para já, Aveiro, Braga, Coimbra e Faro estão apetrechados com tribunais de Família e Menores. Bem como Setúbal, Lisboa, Funchal, Seixal, Sintra, Ponta Delgada, Vila Franca de Xira, Portimão e Porto. Daqui decorre que toda a zona do Alentejo não está abrangida. E, entre outras, Santarém e Tomar não são igualmente abrangidas por tribunais de Família e Menores, “cabendo a análise dos processos nestas áreas aos tribunais de comarca, juntamente com os outros processos”, relembrou o juiz António Martins.

Especialização

A defesa da especialização como o melhor caminho para a análise destes processos é hoje mais ou menos consensual. Uma melhor capacidade de resposta do que um juiz que julga todos os tipos de casos e pela qualificação exigida aos juízes para tribunais especializados (acesso aberto apenas a juízes com o mínimo de dez anos de serviço e com Bom de classificação). “Ao passo que o juiz de comarca não está sujeito a essa qualificação”, esclareceu. Ainda sobre o que chama de «Programa MAU», António Martins referiu-se “a pontos preocupantes”, nomeadamente para o Porto. Onde se prevê uma mexida, que “em nada ajudará à resposta célere” defendida para os casos estes tribunais. No pré-projecto, o Governo defendia o fecho do 3.º Juízo do Tribunal de Família e Menores da Invicta, intenção desde logo muito contestada precisamente pelo receio na perda de eficácia. No projecto aprovado pelo Conselho de Ministros, e “esta é uma informação oficiosa, até que saia em «Diário da República» – ressalvou o presidente da ASJP –, “não é extinto o 3.º Juízo, mas foi criado um problema tão grande ou maior que o anterior”. O TFM do Porto tem três juízos, com três juízes cada, perfazendo nove juízes ao todo, e “o que ficou aprovado foi a redução de quadros”. Ou seja, em vez de extinguir vai reduzir o lugar de juízes, o 2.º e 3.º juízos passam a ter dois juízes cada, reduzindo para sete os quadros.

Legalidade

E aqui surge um problema legal no que toca à colocação/movimento de juízes, explicado a O PRIMEIRO DE JANEIRO pelo juiz do Tribunal de Família e Menores do Porto Jorge Santos: “Nós [juízes] concorremos a juízos ou varas, não concorremos a lugares”. No caso concreto do Porto, ao serem extintos dois quadros “não sei como será resolvida a questão dos juízes que sobram”, uma vez que não há articulação entre a lei que determina os concursos e o projecto aprovado pelo Conselho de Ministros no passado dia 10. “Situação que já foi comunicada a quem de direito”, o Conselho Superior de Magistratura (CSM), a quem cabe a afectação de juízes aos postos criados pelo Ministério da Justiça. Ainda relativamente àquele documento, Jorge Santos apontou um exemplo do que considera ser uma lacuna de redacção, mas que a ser publicada trará conflitos. O projecto de lei, cuja publicação é aguardada para breve, determina o fecho das secretarias-gerais das 1.ª e 2.ª secções e é omisso quanto à 3.ª. E a explicação deverá prender-se com a intenção do Governo de acabar com as secretarias-gerais por secção, criando uma única. Uma vez que inicialmente a intenção era extinguir o 3.º Juízo, a secretaria afecta a este Juízo extinguir-se-ia por si, mas como depois foi decidido manter-se o Juízo e reduzir nos juízes, era necessário referenciar-se o fim da secretaria, o que não aconteceu…

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Família e Menores do Porto

Nos últimos dois anos, o Tribunal de Família e Menores do Porto assistiu a um aumento de acções entradas de 32 por cento. O que faz com que cada juiz deste tribunal tenha por ano uma média de 800 processos.

Número bem superior aos 500, 600 apontados pelos especialistas que estudam a contingenciação processual como razoáveis a cada juiz a trabalhar na área da Família e Menores. Porque os casos que chegam a estes tribunais envolvem pessoas e situações onde os sentimentos estão à flor da pele requerem muito tempo. “Aqui lida-se com as pessoas, há muitas diligências para as ouvir, onde a presença do juiz é indispensável”. A explicação de Jorge Santos, juiz no Tribunal de Família e Menores do Porto desde Setembro de 2002, foi acompanhada da preocupação que é sentida pela intenção do Governo de reduzir dois quadros de juízes. Como especificou, “este tribunal é muito sensível às oscilações da saúde económica da sociedade” e os problemas que por ali passam – apesar de transversais a todos os estratos sociais – aumentam muito em alturas de crise social, daí, aventa, o aumento a que se tem assistido nos últimos anos. Como disso são exemplo a regulação do poder paternal, questões de menores em risco e casos de delinquência juvenil. Situações (quase) “indissociáveis de situações familiares de carência”.

A avançar o intento governamental de retirar dois juízes ao TFM do Porto – um do 2.º Juízo e outro do 3.º Juízo – os processos, que até aqui tem sido possível obterem respostas atempadas, deverão ser sujeitos a demora. “Com pena” dos juízes, “haverá reflexos negativos na prontidão da resposta dos processos e consequentemente nas pessoas”. Também como ponto de partida para que as respostas nos tribunais de Família e Menores sejam mais céleres e eficazes, a especialização é uma mais-valia. Mas Jorge Santos defende não só a especialização dos tribunais, mas também a especialização dos magistrados, reforçando que estes são casos só têm a ganhar com magistrados, não só experientes, mas experientes na área. Admite, porém, que a especialização de que se fala acaba por ser feita a pulso, “a título pessoal, sem qualquer preocupação das entidades competentes”. Desde as qualificações que vão sendo adquiridas por acções de formação ou seminários que os próprios vão custeando às colocações, que não têm em conta a experiência já adquirida nestas áreas. E exemplifica: “A concretizarem-se as extinções de quadros neste tribunal, os juízes que terão que ser reafectos deveriam ser canalizados para outros juízos de família, ao invés de serem colocados noutros quaisquer juízos ou varas”.

E porque “muitas vezes é depois de ser dada a primeira decisão judicial que o processo começa a dar trabalho”, o juiz que labora nestes processos há mais de quatro anos explica a impossibilidade de ter uma carga de processos equiparada, por exemplo, à que tinha no antigo Cível do Porto (actualmente os cíveis chamam-se varas), onde chegou a resolver 2.500 processos por ano. As revisões legais obrigatórias às decisões, para além dos casos de incumprimento, fazem com que ciclicamente os processos regressem à secretária. Jorge Santos não deixou de realçar a urgência dos processos que chegam a estes tribunais de competência especializada como um aspecto que faz diferença com os casos noutros tribunais. Sem deixar de referir o esforço que aquele cumprimento exige, realça a quantidade de diligências que as situações dos tribunais de Família e Menores exigem e a carga emocional que envolve estas situações e que dita a premência de uma resposta. Mais uma vez recorre a exemplos para que a realidade do dia-a-dia destes tribunais não se perca na teoria da conversa. “Muitos dos casos aqui tratados reportam-se a menores em risco, logo, requerem uma resposta pronta para que salvaguarde o bem-estar da criança”. Mas também situações de delinquência juvenil, que envolvem medidas cautelares de internamento, relações do poder paternal e as providência cautelares de alimentos. “São uma panóplia de acções urgentes que não se compadecem com demoras, sob pena de não se estar aqui a fazer nada...”

in O PRIMEIRO DE JANEIRO

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