quarta-feira, maio 16, 2007

Dra. Maria José Morgado: "A minha linha é a unidade com a PJ"

Morgado quer o Ministério Público no terreno em cooperação e formação com a polícia para levar mais processos a julgamento.

A secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa que investiga os processos relacionados com a Câmara de Lisboa está a trabalhar em “unidade operativa” com a secção de combate ao crime económico da Polícia Judiciária. É esta a linha de investigação definida por Maria José Morgado, coordenadora do DIAP, que ontem defendeu a necessidade de uma “acção concertada definitiva” entre o Ministério Público e a PJ “contra a grande corrupção”.

“Confio no trabalho do DIAP de Lisboa com a PJ. A minha linha é a unidade operacional com a PJ”, declarou a também coordenadora da equipa que investiga o processo ‘Apito Dourado’, que durante a intervenção no seminário ‘Prevenção e Investigação da Corrupção nas Sociedades Democráticas’ afirmou que é altura de virar a página e passar à acção. “É necessário transformar a retórica e a agenda anticorrupção em investigações justas com provas válidas, capazes de apresentar em julgamento os casos mais graves”, disse a procuradora, em sintonia com o director da PJ. “A corrupção não pode ser apenas um discurso. Precisamos de investigar para levar as pessoas a julgamento”, afirmou, por seu turno, Alípio Ribeiro.

"MINISTÉRIO PÚBLICO NO TERRENO"

Maria José Morgado, que interveio na abertura do seminário organizado pelo DIAP e pela PJ em representação do Ministério Público – o procurador--geral da República (PGR), Pinto Monteiro, delegou essa função na magistrada – manifestou-se preocupada com a forma de organização das autoridades e defendeu a formação comum de magistrados e PJ, apelando a um Ministério Público mais activo e operacional.

“O MP tem de agir no terreno e não fechado num gabinete”, disse a coordenadora do ‘Apito Dourado’, que também já fez saber que o modelo da equipa que coordena a investigação do megaprocesso de corrupção desportiva – com uma composição policial e de magistrados – “tem providenciado um especial activismo probatório com celeridade excepcional” e é para “preservar”.

EXPERIÊNCIA ESPANHOLA

Processos cirúrgicos e céleres para conseguir mais julgamentos, e em tempo útil, foram outras das medidas elencadas por Morgado, que destacou mais uma vez a “necessidade de proteger testemunhas e denunciantes”. No entanto, no final, a coordenadora do DIAP e do caso ‘Apito Dourado’ fez questão de dizer que tudo aquilo que defende não é inventado nem original, mas é simplesmente “aprender com as experiências mais ricas de outros países”.

No primeiro dia do seminário, que decorre no Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, em Loures, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, João Amaral Tomaz, esteve também presente na mesa de honra e afirmou que a corrupção “é uma força poderosa, mas não é inevitável nem incontrolável”. A conferência termina hoje, com o encerramento a cargo do ministro da Justiça, Alberto Costa, mas antes intervirão também procuradores espanhóis – à semelhança do que aconteceu no colóquio realizado em Fevereiro na Assembleia da República. Dois magistrados da Procuradoria Anticorrupção vão apresentar o caso Marbella, a gigantesca investigação à corrupção urbanística na Costa do Sol, no âmbito da qual já foram detidas mais de 70 pessoas desde Março. A presidente da câmara de Marbella, Marisol Yague, e o seu antecessor, Julián Muñoz, são os principais acusados, juntamente com o vereador do Urbanismo Carlos Roca, considerado o cérebro do esquema de corrupção.

Outra das intervenções aguardadas é a da procuradora Teresa Almeida, da 9.ª secção. (...)

Segundo os estudos mais recentes sobre o fenómeno da corrupção em Portugal, a maioria das denúncias apresentadas na Polícia Judiciária na última década tem como alvo câmaras municipais e serviços das diversas forças de segurança – um dos trabalhos foi elaborado pelo inspector António João Maia, que hoje falará no âmbito do painel ‘Os crimes da corrupção’.

Também no relatório da Polícia Judiciária de 2005 as autarquias aparecem como a área que mais inquéritos originou, com 42% dos casos, seguidas das forças de segurança, com 15%, e de actividades não especificadas.

COMPRA DE QUOTAS UTILIZADA PARA CARROSSEL DO IVA

A compra de quotas em empresas portuguesas legítimas, com existência física mas com fraca actividade empresarial, é a nova fórmula encontrada pelas redes criminosas para praticar a fraude fiscal conhecida como carrossel do IVA. Segundo Joaquim Mendes, inspector da Polícia Judiciária do Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF), longe vão os tempos em que eram constituídas empresas fantasmas em nome de toxicodependentes ou prostitutas para darem cobertura aos reembolsos fraudulentos de IVA.

O sistema mais utilizado para ludibriar a Administração Fiscal passa agora pela compra de quotas de empresas com fraca actividade comercial por parte de cidadãos espanhóis ou brasileiros. Uma vez no controlo da empresa, utilizam-na na rede de carrossel, realizando transacções com as empresas estrangeiras que fazem parte da mesma rede.

Os principais sectores onde se detecta este tipo de fraude são a informática, as telecomunicações e as sucatas.

“Já se passou a fase onde a mercadoria em circulação era obsoleta. Actualmente estamos a falar de mercadoria moderna que, depois de duas voltas entre as empresas que constituem a rede do carrossel, é comercializada no mercado”, adiantou Joaquim Mendes.

Face à nova forma de actuação deste tipo de agentes, a PJ e o Fisco consideram como “suspeitas” as “empresas novas ou com cessões de quotas recentes, assim como as empresas com sócios espanhóis ou sul-americanos”, acrescentam os responsáveis policiais, para quem a “quebra do preço é a prova final da existência de uma rede de carrossel de IVA”.

Os responsáveis policiais alertaram para o facto de a Holanda ser, neste momento, sede de gigantescas empresas ‘conduit companies’ cuja única actividade é fazer carrossel de IVA, mas que são “intocáveis”, uma vez que não prejudicam em nada a Administração Fiscal holandesa, já que todas as transacções realizadas são feitas fora do país.

Também a actividade dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC) foi alvo de algumas críticas: “Existem TOC que se conformam com situações onde faltam documentos essenciais para a realização de uma correcta contabilidade das empresas”, acrescentaram alguns responsáveis policiais.

(...)

Por Ana Luísa Nascimento / Miguel Alexandre Ganhão, in
Correio da Manhã

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