segunda-feira, maio 21, 2007

Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos 2007-2010 > Discussão Pública até 30 de Maio

A proposta de primeiro Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos, para o período 2007-2010, está em discussão pública até 30 de Maio de 2007.

O Governo solicita o envio contributos, até esta data, para o endereço
pn.trafico.seres.humanos@pcm.gov.pt


>> INTRODUÇÃO

O tráfico de seres humanos é, hoje em dia, uma realidade com um impacto económico comparável com o tráfico de armas e de droga. Segundo o U.S. Federal Bureau of Investigation, esta criminalidade gera por ano cerca de 9.5 mil milhões de dólares. Abrange toda uma diversidade de problemas e realidades como a migração, o crime organizado, a exploração sexual e laboral, as assimetrias endémicas entre os países mais desenvolvidos e os mais carenciados, questões de género, direitos humanos, quebra de suporte familiares e comunitários, entre outros.

Apesar de ser um fenómeno abrangente, existem grupos que apresentam uma maior vulnerabilidade a tornarem-se vítimas de tráfico, tais como as mulheres, em virtude de uma crescente feminização da pobreza que propiciam situações de exploração sexual e laboral, e as crianças. Em relação às crianças esta realidade é um atentado ao direito inalienável de crescer num ambiente protegido e acolhedor, e de ser livre de qualquer forma de abuso e/ou exploração.

Até há pouco tempo, os Estados adoptavam áreas essencialmente de carácter repressivo e desenvolviam políticas de imigração, quando se abordavam as questões do tráfico. A adopção de políticas meramente punitivas em relação à problemática e a visão acessória exclusivamente centrada na relevância jurídico processual das vítimas de tráfico enquanto testemunhas, tem sido paulatinamente postergada para uma abordagem mais holística da mesma, focalizada na dimensão humana do problema, não se circunscrevendo simplesmente a um problema de migração, de ordem pública ou de crime organizado. Para combater eficazmente esta realidade complexa e multifacetada, urge uma abordagem integrada que tenha sempre como acento tónico a perspectiva dos direitos humanos. Nesse sentido, é importante que exista uma harmonização entre a vertente repressiva de combate ao tráfico de seres humanos, que é obviamente norteada pela punição dos traficantes, caldeada por estratégias de prevenção, de apoio, empowerment e inclusão das vítimas de tráfico. Tem sido notória, no que concerne às diferentes áreas de intervenção, a existência de um amplo denominador comum promovido ao nível internacional que se encontra alicerçado na inclusão da perspectiva dos direitos humanos como elemento central que perpassa todos os documentos, independentemente da instância internacional de onde provenham.

Por conseguinte, o tráfico de seres humanos, tem vindo a assumir, recentemente, uma abordagem conceptual clara e inequívoca dessa premissa que urge ser implementada ao nível do desenvolvimento de políticas e estratégias entre os Estados. A implementação de uma perspectiva de direitos humanos em relação ao tráfico de seres humanos, torna-se fundamental para uma análise compreensiva da problemática e para o desenvolvimento de uma resposta e combate efectivo ao mesmo. O ordenamento jurídico de cada país deve, por conseguinte, acomodar áreas de carácter político, legislativo e administrativo que promovam uma efectiva abordagem multifacetada das suas diversas dimensões, com uma cooperação multidisciplinar entre os diversos agentes envolvidos, sempre numa óptica dos direitos humanos. Em Novembro de 2000, a Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, das Nações Unidas, (aprovada por Portugal pela Resolução nº32/2004 da Assembleia da República e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº19/2004, de 2 de Abril) surge como o primeiro documento internacional com uma definição clara de tráfico para fins de exploração. Desde então diversas organizações internacionais têm trilhado novos horizontes no que diz respeito a uma abordagem mais integrada e eficaz no combate a esta problemática.

Ao nível da União Europeia, e no seguimento da Convenção das Nações Unidas, foi adoptada a Decisão-Quadro do Conselho de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos.

A Declaração de Bruxelas contra o Tráfico de seres Humanos e a constituição de um Grupo de Peritos em Tráfico de Seres Humanos da Comissão Europeia, ao qual compete fazer recomendações a serem adoptadas pelos Estados-Membros da União Europeia, são outros marcos importantes que atestam a relevância e a prioridade que têm assumido estas questões no contexto internacional. Cumpre igualmente referir a Directiva do Conselho 2004/81/EC, de 29 de Abril de 2004 relativa a autorização de residência emitida a nacionais de países terceiros que sejam vítimas de tráfico de seres humanos ou tenham sido sujeitos a uma acção para facilitar a imigração ilegal, que cooperem com as autoridades competentes.

No que se refere à Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), e como documento de relevo no contexto internacional, podemos referir o Plano de Acção Contra o Tráfico de Seres Humanos de 2003. Este pacote de áreas apela a adopção de novas estratégias contra o tráfico ao nível nacional e internacional. Toda uma gama de recomendações são preconizadas, em especial, na área da protecção, acolhimento e repatriamento e no estabelecimento de unidades especiais no combate ao tráfico quer nos países de origem quer nos de destino. Áreas de carácter social e económico são citadas no apoio a estas vítimas.

A recente Convenção contra o Tráfico de Seres Humanos do Conselho da Europa, assinada em Varsóvia em 16 de Maio de 2005, constitui um marco importante, integrando uma abordagem mais ambiciosa e aprofundada sobre esta temática, uma vez que é o primeiro documento internacional que contém uma clara definição de vítima de tráfico com uma acentuada relevância na questão dos direitos humanos.

Mais recentemente, o Plano de Acção da União Europeia sobre boas práticas, normas e procedimentos para combate e prevenção do tráfico de seres humanos, adoptado em Dezembro de 2005, (JO C 311 de 9.12.2005), apresenta uma tabela de áreas/acções a serem regularmente revistas e actualizadas.

Ao nível da OIT, não se pode deixar de referenciar a Convenção (nº29) sobre trabalho forçado de 1930, a qual proíbe toda e qualquer forma de trabalho forçado ou obrigatório. Esta convenção especifica, igualmente, que o facto de se exigir ilegalmente um trabalho forçado ou obrigatório deve ser passível de sanção penal.

No contexto nacional, é importante referenciar as Grandes Opções do Plano – 2005-2009 – Principais linhas de acção e áreas em 2005-2006 – em que é contemplado, na vertente específica do tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, para além de uma maior conhecimento sobre o fenómeno do tráfico, a implementação de áreas de protecção e apoio às vítimas, bem como a penalização dos/as prevaricadores/as.

A adopção de um Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos como este, apresenta-se como instrumento indispensável na partilha de responsabilidades entre as diversas entidades governamentais e a sociedade civil, numa abordagem holística que permita congregar e acomodar todas estas diferentes estratégias e dimensões de uma forma coordenada e suficientemente eficaz. A adopção deste Plano, que terá a duração de 3 anos, encontra-se estruturada em quatro grandes áreas estratégicas de intervenção que se complementam com as respectivas áreas operacionais, a saber: Conhecer e disseminar informação
Prevenir, sensibilizar e formar
Proteger apoiar e integrar
Investigar criminalmente e reprimir o tráfico

O tráfico de seres humanos permanece, no contexto português, como um fenómeno oculto, cujas dinâmicas e elementos identificadores não têm sido objecto de uma análise profunda nas suas diversas vertentes. Para se actuar e combater este fenómeno social que avilta a dignidade humana no que de mais íntimo diz respeito, e que tem uma acentuada vertente transnacional em constante mutação, exige-se um conhecimento dos seus contornos, daí a opção, como área estruturante, o “Conhecer e disseminar informação”. Esse maior conhecimento certamente desembocará numa melhor e maior adequação e adaptação das diversas áreas a implementar à nossa realidade, permitindo, deste modo, aferir e mitigar o impacto deste flagelo na nossa sociedade.

Nesse sentido, a adopção de indicadores de referência nacionais, tais como o guia de registo, e a criação de um observatório em relação às questões do tráfico, bem como a realização de um fórum alargado a todos os agentes envolvidos nesta temática com a periodicidade anual, revelarse-ão, entre outras áreas a serem contempladas, em importantes instrumentos de diagnóstico e conhecimento das suas especificidades em Portugal enquanto país de origem, de trânsito e de destino.

Como segunda área estruturante, optou-se por incluir a temática de “Prevenir, sensibilizar e formar”. A prevenção e sensibilização assumem-se como ferramentas imprescindíveis a montante deste fenómeno, no sentido de o combater logo na sua fase inicial. A sensibilização da sociedade em geral através de campanhas de informação revela-se igualmente como um elemento de responsabilização e exercício de cidadania. Acresce que, se atentarmos no artigo 160º do Código Penal, para além da expressa criminalização do cliente que se encontra prevista, mais do que punir eventuais situações, pretende-se enviar uma mensagem clara à sociedade de responsabilização colectiva e recusa de qualquer comportamento permissivo/omisso perante o conhecimento/identificação de situações de tráfico. A vertente da formação revela-se igualmente como um elemento chave se pretendemos obter resultados consistentes e eficazes. Esta, deve abranger de uma forma mais alargada possível, todos os agentes que tenham uma relação directa com esta realidade, permitindo assim um maior grau de especialização e uniformização de critérios e metodologias. .

A protecção, apoio e integração das vítimas de tráfico apresenta-se como outra área de extrema importância. No sentido de promover um combate eficaz ao mesmo, torna-se fulcral a adopção de um conjunto de áreas que tenham como denominador comum o interesse da vítima. A concessão de uma autorização de residência, o apoio psicológico e jurídico, o acesso a programas oficiais para a sua inserção na vida social e a possibilidade do retorno voluntário e securizante ao seu país de origem, apresentam-se, entre outros, como elementos indispensáveis para promover uma efectiva perspectiva de direitos humanos. O assegurar áreas mais adequadas de protecção às testemunhas em sede de investigação/processo judicial, é outro dos aspectos a ter em conta para promover um cabal e eficaz combate ao tráfico de seres humanos. Finalmente, esta temática não pode ignorar a investigação criminal e repressão do tráfico. A forte componente transnacional desta problemática impõe não só a necessidade de aprofundar a cooperação com instituições internacionais, como a Europol e a Interpol, no combate ao crime organizado, bem como a canalização de meios humanos e recursos financeiros para a enfrentar. Uma revisão do regime sancionatório em relação às pessoas colectivas é outro dos aspectos contemplados neste Plano no sentido de extirpar do tecido sócio-económico português, entidades que operam em lógicas de economia paralela e ilegal.

Este Plano que agora é apresentado, abrange toda uma série de situações de exploração, não se circunscrevendo unicamente às questões da exploração sexual. Tal opção encontra-se alicerçada nos diversos instrumentos e fora internacionais que, ao abordarem a temática do tráfico de seres humanos, têm vindo a incluir não só as situações de exploração sexual, bem como as de natureza laboral. Com efeito, recentemente tem sido dado um maior enfoque a outras formas de exploração forçada que envolvem tráfico, sendo notória, por conseguinte, uma clara inflexão, ao nível internacional, de áreas que estavam exclusivamente vocacionadas ao combate para o tráfico para fins de exploração sexual. Nesse sentido, como a componente laboral tem assumido uma maior visibilidade e incremento nos fluxos migratórios associada ao fenómeno de tráfico, o combate à criminalidade organizada na vertente do tráfico de seres humanos só será eficaz se contemplar todas as suas dimensões em que se manifesta. Esta perspectiva unitária vem também de encontro ao que se encontra plasmado no novel artigo 160º do Código Penal, em que as situações de exploração laboral passaram a estar incluídas no crime de tráfico de seres humanos.

As situações de tráfico de crianças para exploração sexual e laboral devem ser objecto de especiais áreas de assistência e protecção. Segundo estimativas da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), as crianças representam mais de 30% do tráfico de seres humanos no mundo, estimando-se que 1,2 milhões de crianças são vendidas anualmente para mão-de-obra na agricultura, minas ou para exploração sexual. Nesse sentido, este Plano contempla áreas específicas para as crianças e menores atendendo a que estes/as se encontram em situações de especial vulnerabilidade."
>> MAIS INFORMAÇÕES EM http://www.portugal.gov.pt/
Fonte: Ordem dos Advogados

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